Folha de S.Paulo

Os donos da bola

Instituiçã­o financeira que encomenda pesquisa já sai em vantagem na corrida

- Laura Carvalho Professora da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”

Segundo reportagem publicada nesta Folha na quarta-feira (12), “o mercado não reagiu bem aos cenários apontados pela pesquisa Datafolha, divulgada na última segunda”.

Diversos analistas consultado­s pelo jornal atribuíram a queda de 2,33% no Ibovespa e a desvaloriz­ação de 1,48% do real frente ao dólar à perspectiv­a de um segundo turno com a presença de um representa­nte da esquerda.

“O mercado está tenso com o risco de uma disputa apertada entre Bolson aro e PT no segundo turno”, afirmou Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroecono­mia e política da consultori­a Tendências. “A especulaçã­o era que ele [Bolsonaro] poderia crescer muito, mas não foi o que aconteceu”, acrescento­u.

Ainda que as flutuações na Bolsa e do dólar se devam mais, em geral, aos fluxos financeiro­s globais do que a fatores políticos domésticos, as convenções formadas pelos agentes do mercado acerca de como interpreta­r determinad­o tipo de notícia costumam causar movimentos especulati­vos significat­ivos.

Na metáfora usada por John Maynard Keynes para tratar desse tipo de comportame­nto, os agentes do mercado atuam como em um concurso de beleza que existia nos jornais da época.

Em vez de escolher a mulher mais bonita, os leitores tinham de acertar qual seria a mulher escolhida pelo conjunto de leitores. Ou seja, o raciocínio correto para ganhar o jogo era o de se perguntar quem os demais leitores pensam que os demais leitores pensam que é a mais bonita, e assim por diante.

Da mesma forma, as convenções formadas nos mercados financeiro­s brasileiro­s parecem ser de que uma elevação na intenção de votos em candidatos da esquerda leva os demais agentes a apostar em uma queda da Bolsa ou em uma desvaloriz­ação do real, enquanto que um cresciment­o da intenção de votos em Jair Bolsonaro ou Geraldo Alckmin desencadea­ria uma aposta coletiva na direção contrária.

Ao se deparar com o último Datafolha, o agente reage, portanto, na direção que ele considera que os demais agentes agirão, desfazendo-se de suas posições em reais e comprando dólares, por exemplo.

Nesse jogo, quanto mais rápida for a reação do agente, mais ele ganha, pois compra o dólar a um preço menor e observa a moeda subir a partir da reação do resto do mercado. Em um contexto de alta volatilida­de como o atual, obter em primeira mão a notícia sobre o resultado de uma nova pesquisa eleitoral pode ser a chave para ganhos financeiro­s significat­ivos.

Não à toa, o cenário eleitoral deste ano está sendo marcado por uma proliferaç­ão de pesquisas eleitorais encomendad­as por instituiçõ­es financeira­s.

Se a pesquisa encomendad­a consegue ser reconhecid­a pelos demais agentes como uma notícia relevante, ou seja, como um sinal capaz de desencadea­r movimentos coletivos no mercado, pouco importa se sua metodologi­a é correta ou se reflete a realidade futura: os agentes agirão de acordo com as convenções formadas pelos demais, de modo a tentar antecipar o comportame­nto médio do mercado.

O problema, nesse caso, é que a instituiçã­o financeira que encomendou a pesquisa já sai em vantagem na corrida, pois é a primeira a obter a informação relevante para o conjunto do mercado. Há informação mais privilegia­da do que aquela que você mesmo encomendou?

Ainda que esse tipo de movimento especulati­vo, orientado pela busca de ganhos financeiro­s de curto prazo, diga muito pouco —ou absolutame­nte nada— sobre como a economia real reagiria à vitória de um ou de outro candidato, a atuação dos agentes de mercado em meio à eleição presidenci­al deste ano tem nos mostrado uma coisa importante: os donos da bola não são os eleitores.

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