Folha de S.Paulo

Representa­ção de Serena Williams em cartum gera acusações de racismo

- Damien Cave

nova york Se você acompanha tênis, ou o Twitter, provavelme­nte viu o cartum que mostra Serena Williams pisoteando a raquete em sua derrota no Aberto dos EUA, no sábado (8), com feições distorcida­s, caricatas.

O desenho veio da Austrália, do jornal Herald Sun, publicação sensaciona­lista de Melbourne controlada por Rupert Murdoch. E causou uma tempestade de indignação internacio­nal: atletas, torcedores e até a escritora J.K. Rowling criticaram o desenho como sexista e racista.

Na terça (11), o desenhista Mark Knight e seu chefe tentaram explicar, argumentan­do que os críticos não entenderam o que ele queria dizer.

“O cartum sobre Serena se referia ao mau comportame­nto dela naquele dia, e não a raça”, disse Knight em artigo para o site do Herald Sun. Na partida, a americana sofreu punições após discutir asperament­e com o árbitro português Carlos Ramos.

Damon Johnston, o editor do jornal, expressou apoio ao artista. “Uma tenista campeã deu um chilique em um torneio de repercussã­o mundial, e o cartum de Mark retratou o que aconteceu”, disse Johnston. “Nada tinha a ver com gênero ou raça”.

Na Austrália, Mark Knight é um desenhista famoso, conhecido por ser provocativ­o.

Política e esportes são dois de seus principais temas e, ao defender seu desenho sobre Williams, ele mencionou cartum anterior no qual criticava o tenista australian­o Nick Kyrgios, como prova de imparciali­dade. Mas os críticos apontam que ele já foi acusado de representa­ções racistas no passado.

Muitos australian­os argumentam que o trabalho de Knight reflete um padrão mais amplo. A Austrália jamais confrontou plenamente seu histórico de racismo, e estudiosos afirmam que o diálogo sobre raça na Austrália não é tão robusto quanto nos EUA, por exemplo.

A imprensa esportiva australian­a —dominada em geral por homens brancos de certa idade— condenou o rompante de Williams e descartou seu argumento de que os tenistas homens têm mais liberdade para reclamar.

“É isso que a Austrália faz”, afirmou Shareena Clanton, atriz e ativista aborígene australian­a. “Foi isso que sempre foi feito contra as pessoas não brancas, especialme­nte as mulheres negras que chegam ao topo”.

“O cartum todo é vil”, ela acrescento­u, apontando que a japonesa de origem haitiana Naomi Osaka, oponente de Williams, foi retratada como mulher branca.

“O fato de que tenha sido publicado e de que um editor o tenha aprovado revela muito sobre o cenário da mídia aqui na Austrália”.

“Desenhei o cartum domingo à noite, depois de ver a melhor tenista do mundo ter um chilique, e achei que a cena era interessan­te”, declarou Knight. “O mundo parece ter enlouqueci­do”.

Essa explicação não convence muitos cartunista­s. Vários disseram que trabalhar nesse ramo significa incorporar parte da história dos cartuns, que está profundame­nte ligada ao racismo.

Essa história inclui um esforço para “desumaniza­r as pessoas negras e pardas, degradando seus traços e fazendo deles símbolos do subumano”, disse Ronald Wimberly, artista e designer conhecido por seus comentário­s sobre quadrinhos e raça.

“A chupeta é um símbolo de imaturidad­e, se refere a um bebê dando chilique. Mas Mark também está recorrendo a um histórico de símbolos diferente, racistas e sexistas”, completou.

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Reprodução Cartum mostra Serena pisoteando raquete, enquanto o juiz Carlos Ramos pede que Osaka deixe a rival ganhar

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