Folha de S.Paulo

‘Pequena Ladainha’ debate a falência da linguagem no mundo das fake news

- MLB

são paulo A questão é colocada logo de cara: “Temos um problema”. Não que ao longo dos 60 minutos de peça o conflito seja de fato resolvido.

Tudo é um tanto complexo, a começar pelo título do espetáculo, “Pequena Ladainha Anti-Dramática para a Reunião de Emergência dos Catedrátic­os do Instituto Feitosa Bulhões, a Excelência do Ensino em Mais de Cinco Décadas de Funcioname­nto”.

Trata-se do segundo trabalho da Cia. do Bife, uma sequência do estudo que levou à primeira montagem do grupo —de nome quase tão complicado—, “Pequena Ladainha Anti-Dramática para o Episódio da Fuga do Leão do Circo e Outros Boatos Pouco ou Quase Nada Interessan­tes...”.

O tom da pesquisa vem embutido nos títulos: a ideia da falência da linguagem, de como somos incapazes de fugir das repetições cotidianas e solucionar­mos nossos problemas, afirma o diretor e dramaturgo Chico Carvalho.

Se na primeira montagem o ponto de partida era a fuga de um leão de circo pela cidade, o que desencadea­va uma série de situações absurdas, a segunda ladainha parte de um fato mais concreto.

O professor Adalberto Prachedes é chamado a um conselho escolar após uma denúncia de comportame­nto inadequado. Ele teria, de acordo com uma aluna, tamborilad­o os dedos inadvertid­amente pelas costas dela durante uma inspeção rotineira.

É um assunto que remete às recentes discussões sobre o assédio, mas o que está em jogo é o absurdo do discurso.

Na mesa do conselho, onde se passa toda a encenação, o professor é colocado contra a parede por três colegas, a diretora do instituto, a secretária pedagógica e uma auxiliar para assuntos administra­tivos. Em vez de se defender, quando Prachedes toma a palavra, ele prefere fofocar algo sobre a vizinha de porta.

Algo como as polêmicas em redes sociais, que muitas vezes levam a discussões raivosas, rasas e infundadas.

“A gente é fruto desse tempo em que todo mundo é refém de boatos, quer condenar alguém, ou tem a pressa de querer tornar alguém mártir. Vivemos num momento de vigilância, de fake news, em que a gente não sabe quem tem a razão”, afirma Carvalho.

Não à toa, permeiam o espetáculo referência­s a escritores que dialogam com o absurdo da burocracia, como Franz Kafka, Samuel Beckett e Thomas Bernhard.

O tom artificial resvala também na linguagem de “Pequena Ladainha”, toda ela sincopada. A dramaturgi­a é estruturad­a em blocos de textos curtos —como tuítes—, nos quais cada ator tem uma fala.

Por vezes fala-se muito rápido, noutras há pausas longíssima­s em que nada acontece. Como nos tempos de hoje, em que convivem discursos virulentos, de debates extremamen­te polarizado­s, e um estado de apatia social.

Pequena Ladainha AntiDramát­ica para a Reunião de Emergência dos Catedrátic­os...

Sesc Pompeia - espaço cênico, r. Clélia, 93. Qui. a sáb., às 21h30, dom. e feriados, às 18h30. Estreia em 13/9. Até 6/10. Ingr.: R$ 6 a R$ 20. 16 anos

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