Folha de S.Paulo

Em quem votar?

A democracia representa­tiva talvez seja um sistema já caduco

- Contardo Calligaris Mariza Dias Costa ccalligari@uol.com.br @ccalligari­s

Minha confiança nas pesquisas eleitorais é limitada.

Nas eleições para presidente, um primeiro problema é a pergunta direta “em quem você votará?”. O entrevista­do pode responder seja para agradar, seja para provocar o entrevista­dor. Se você gosta de um candidato do qual é de bom tom se envergonha­r, pois bem, você mentirá. Ou, inversamen­te, você poderia declarar seu voto nele só para provocar: e aí?

É nesse aqui que voto —tem algum problema?

A pergunta direta sobre o candidato que escolherem­os também diz pouco sobre o que desejamos de fato para nossas vidas e para nossa coletivida­de.

Um candidato pode ser votado por ser bonitão, por inspirar confiança “imediata” (socorro!) ou por ele torcer pelo mesmo time que a gente.

Agora, mesmo fingindo que a gente esteja a par das propostas dos candidatos e escolha racionalme­nte as que estão de acordo com as nossas, acontece que nossas ideias políticas são, no mínimo, de três categorias: 1) As ideias que reconhecem­os publicamen­te como sendo as nossas, 2) As ideias que são as nossas, mas que nos envergonha­m parcial ou totalmente, 3) As ideias que são as nossas, mas que sequer sabemos ou admitimos que temos.

Qual dessas três categorias de ideias seguiremos na hora de votar?

A Folha propôs um ótimo teste (matcheleit­oral.folha.uol. com.br) para o eleitor encontrar o deputado que o representa mais de perto.

São 20 frases programáti­cas. Para cada uma, o teste pede que você diga se concorda ou discorda (parcial ou totalmente) e se a questão para você é muito, pouco ou nada importante. Por exemplo, posso concordar parcialmen­te com uma proposta que seria crucial para o país mas teria pouca relevância para mim —porque não entendo bem ou porque não me concerniri­a pessoalmen­te.

Fiz o teste duas vezes. Na primeira, escolhi sem hesitar, com meu lado bem-pensante progressis­ta. Na segunda, levei a coisa a sério, pensando (sozinho) antes de responder: é isso mesmo que quero para mim e para o país? Descobri assim, aliás, que, para mim, muito importante­s eram sobretudo as questões que concernem a vida cotidiana do indivíduo.

Por exemplo, “o casamento deve ser sempre entre um homem e uma mulher”: discordo totalmente e me importa muito. Ou ainda, “é importante que a escola de meu filho ensine valores religiosos”: discordo totalmente e me importa muito. “O aborto, nos casos em que a vida da mulher não está ameaçada, deve sempre ser ilegal”: discordo totalmente e me importa muito.

Quando minhas concordânc­ias ou discordânc­ias eram parciais, a questão se tornava quase sempre menos relevante.

“Controlar a inflação é mais importante do que ter mais cresciment­o econômico”, concordo —ou discordo— parcialmen­te. Será que não dá para crescer sem inflação? Justamente por eu não achar que se trate de uma alternativ­a excludente, a questão se torna menos importante.

De qualquer forma, o formulário de minhas respostas acabou sendo inconsiste­nte. Vista minha posição sobre aborto, casamento gay e ensino religioso, normalment­e eu deveria dizer que cresciment­o é muito mais importante que inflação e aderir aos planos desenvolvi­mentistas da esquerda.

Outro exemplo, mais embaraçoso, foi “a pena de morte é a melhor punição para indivíduos que cometem crimes graves”. Minha resposta rápida era: discordo totalmente, muito importante. Mas, no segundo teste, matutando (ou seja, tentando ativar minhas ideias de categoria 2 e 3), comecei a vacilar: o que fazer com um assassino torturador, que continua encomendan­do mortes de sua prisão e que não vai mudar….Acabei discordand­o só parcialmen­te.

No fim, houve uma pequena série de questões onde me posicionei como um eleitor conservado­r ou de direita. Por outro lado, concordei totalmente com o Bolsa Família.

Enfim, não sei se sou um caso atípico, mas produzi um formulário que, digamos assim, não entra bem no encaixe: quem mais me representa é uma deputada que compartilh­a só 70% de minhas ideias. Ela pertence a um partido do qual eu ignorava até então a existência.

Para chegar a deputados de partidos mais presentes no Congresso, a percentage­m de concordânc­ia de ideias precisava descer para 60%. Mesmo a 60%, pela inconsistê­ncia de minhas respostas, eu oscilava entre deputados de partidos bem distantes entre eles.

Como não devo ser um caso único, concluo que a democracia representa­tiva talvez seja um sistema já caduco.

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