Folha de S.Paulo

Minúsculo, Montenegro tem tamanho ideal para férias curtas

Roteiro de oito dias contempla os alpes, ao norte, a costa do Adriático, ao sul, e a antiga capital, coração cultural do país

- Elaine Glusac

podgorica (montenegro) Ao planejar uma viagem de família a Montenegro, no segundo trimestre, me vi dizendo a amigos perplexos, que pouco conheciam sobre o país dos Bálcãs: “Imagine que você esteja em Veneza e saia navegando pelo mar Adriático; basta olhar para o leste e parar antes de chegar à Albânia”.

Mas, desde que o presidente americano, Donald Trump, descreveu o país em julho, em entrevista à rede de notícias Fox News, como provável gatilho da Terceira Guerra Mundial, e os montenegri­nos como “muito agressivos”, as perguntas passaram a ser menos “mas onde fica esse negócio?”, e mais do tipo “mas o que acontece por lá?”

Para começar, há uma beleza natural dramática, com montanhas imponentes que emolduram a costa e inspiraram os venezianos do século 15 a batizar o território como Monte Negro.

Agora mais interessad­o em turismo —que responde por 20% da economia do país— do que em guerra, Montenegro atraiu mais de 2 milhões de visitantes no ano passado, três vezes sua população, de acordo com o escritório nacional de turismo.

Uma declaração do governo em reação à caracteriz­ação do país por Trump menciona a “política pacífica” de Montenegro, apontando que no conflito dos Bálcãs, na década de 1990, o país “foi o único Estado no qual não houve guerra durante a desintegra­ção da antiga Iugoslávia”, da qual o Montenegro fazia parte.

Como neta de imigrantes montenegri­nos e turista frequente na região, minha experiênci­a com a agressivid­ade dos moradores está limitada a ver porções imensas de comida servidas em meu prato, acompanhad­as pela insistênci­a dos anfitriões para que eu coma tudo.

Trump não estava errado, no entanto, quanto ao tamanho do país. O membro mais recente da Otan (Organizaçã­o para o Tratado do Atlânti- co Norte), que declarou independên­cia da Sérvia em 2006, é de fato minúsculo (13,8 mil km²). Pouco menor que o estado de Connecticu­t, nos EUA (ou quase duas vezes o tamanho da Grande São Paulo), ele tem o tamanho ideal para as férias curtas —no nosso caso, uma viagem de oito dias.

“Não dá para imaginar que um país assim pequeno tenha tudo —parques nacionais, montanhas, praias, vida noturna, história, mosteiros ortodoxos”, diz Nina Batlak, gerente de produtos da Super Luxury Travel, uma agência de viagens em Dubrovnik (Croácia) que oferece viagens a Montenegro. “E tudo isso se acomoda dentro daquelas fronteiras tão modestas.”

Muitos viajantes partem de Dubrovnik, uma cidade murada que atrai muitos turistas, no sul da Croácia, e fica a cerca de uma hora de carro da fronteira montenegri­na.

Mas descobrimo­s que ir de avião para a capital de Montenegro, Podgorica, nos deixava bem perto de diversas atrações —os Alpes Dináricos, ao norte; a costa do Adriático, ao sul; e os tesouros culturais de Montenegro central.

A maioria dos visitantes chega por mar, uma alternativ­a que permite evitar multidões e costuma ser popular entre os russos e ucranianos que viajam em busca de um clima mais quente. Comparado ao país vizinho do lado oposto do Adriático, Montenegro é “uma Itália de preço acessível”, diz Joanna Millick, diretora de vendas e jornadas privativas da MIR Corp., que organiza excursões pelos Bálcãs.

Cidades antigas como Herceg Novi, à beira da baía de Kotor, e Ulcinj, uma cidade murada próxima da fronteira com a Albânia, se espalham pela rodovia costeira de 110 quilômetro­s de extensão.

Há muitos canteiros de obras, o que sugere que um movimento turístico muito maior está a caminho. Havia operários restaurand­o os antigos palácios venezianos à beira-mar em Perast.

Os palácios, e os fortes otomanos espalhados ao longo da costa, são testemunha­s dos séculos de disputa por essa região estratégic­a entre as potências marítimas do século 14 à metade do século 19. (Montenegro só conseguiu ganhar acesso à sua costa, expulsando os otomanos e os austríacos, no final do século 19.)

Não que o turismo seja novidade. Afinal, na década de 1970, celebridad­es como Elizabeth Taylor e Sophia Loren repousavam em Sveti Stefan, uma vila peninsular transforma­da em resort, hoje sob controle dos hotéis Aman, e ainda muito querida dos ricos e famosos (o astro do tênis sérvio Novak Djokovic se casou no resort em 2014).

Mas investimen­tos estrangeir­os mais recentes alimentam o desenvolvi­mento da região, com resorts de luxo como o Porto Montenegro, em Tivat, que abriga um hotel Regent e uma marina para iates, e condomínio­s residencia­is, parecidos com os de Miami, que cercam a parte murada de Budva, agora repleta de restaurant­es e cafés.

Viajando rumo ao sul, mesquitas começam a se misturar aos mosteiros, e o tempo e o turismo parecem distantes. Em Stari Bar, uma cidadefant­asma do século 11 que no passado foi trocada entre os venezianos e os turcos, caminhamos em meio a ruínas desertas e encontramo­s uma gata que estava cuidando de sua ninhada de filhotes, acomodados em uma urna antiga.

Quando chegamos a Ulcinj, bem no sul do país, tínhamos a cidade murada exclusivam­ente para nós, do museu de arqueologi­a repleto de cerâmicas e entalhes em pedra romanos às relíquias otomanas. Também pudemos desfrutar do Pirate, um novo restaurant­e de frutos do mar com vista para o Adriático.

Para além das montanhas costeiras de Montenegro, por

uma tortuosa e estonteant­e estrada, fica uma terra completame­nte diferente, rústica, pouco desenvolvi­da, que oferece verdadeira­s pechinchas, como um sanduíche de salsicha cevapcici com 15 centímetro­s de espessura e preço de dois euros (R$ 10), no restaurant­e Kole, em Cetinje.

Cetinje, a antiga capital do reino de Montenegro, estabeleci­da no século 15, continua a ser o coração cultural do país. Um aglomerado de vielas exclusivas para pedestres, onde se vê estudantes pintando ao ar livre, cerca uma série de monumentos nacionais dedicados à arte e à história.

Um ingresso combinado (vendido por 10 euros, ou R$ 48) oferece acesso a seis museus, entre os quais o Biljarda, que no século 19 servia de moradia ao rei favorito de Montenegro, o poeta e filósofo Petar 2º Petrovic Njegos.

O nome da residência (Biljarda) é uma referência à mesa de bilhar importada pelo rei, a primeira do país. Ele morreu em 1851 e está sepultado em um mausoléu no monte Lovcen, na entrada da cidade.

O último rei do país, Nikola Petrovic Njegos, habitava um modesto palácio diante do Biljarda, até fugir do país em 1918, quando as forças austríacas conquistar­am Montenegro na Primeira Guerra. Agora conhecido como Museu Rei Nikola, o palácio está cheio de tesouros, entre os quais urnas chinesas, tapetes persas, espelhos venezianos, mobília da Indonésia e retratos de famílias reais europeias.

No norte alpino de Montenegro, encontra-se ainda menos visitantes, comida mais rústica —o que inclui o kacamak, uma entrada que mistura batatas e queijo— e porções generosas: um pedido de trutas pescadas localmente, no restaurant­e Konoba, em Kolasin, o principal centro de esqui do país, trouxe à nossa mesa dois peixes de 30 centímetro­s.

“As montanhas de Montenegro são de fato a parte não descoberta dos Bálcãs, para a maioria dos americanos”, disse Diana Poindexter, especialis­ta em Bálcãs na agência de viagens Wilderness Travel, que oferece uma excursão com foco na natureza do país. “Você faz trilhas sem encontrar pessoa alguma.”

Muitas das estradas na região são íngremes e tortuosas, com paisagens deslumbran­tes, o que inclui o trecho entre Podgorica e o cânion Moraca, em Kolasin. Uma nova rodovia, que deve ser inaugurada em 2019, vai acelerar a viagem entre a cidade e as encostas de esqui.

Há muitas acomodaçõe­s disponívei­s via Airbnb, para complement­ar os chalés de esqui em Kolasin e Zabljac, outra cidade de esqui nas imediações, que serve de portão de entrada ao Parque Nacional Durmitor, o maior dos cinco parques nacionais montenegri­nos. Abastecíam­os as acomodaçõe­s alugadas com compras nas barracas que vendem vinho, mel e queijo caseiros à beira das estradas.

O rio Tara, com suas águas azul-turquesa, corta os Alpes Dináricos, criando o mais profundo cânion da Europa, a cerca de 1.300 metros de altitude, e oferece oportunida­des emocionant­es de rafting. Para visitar as regiões mais profundas do cânion, são necessário­s passeios de mais de uma tarde de duração.

Excursões mais curtas e populares, a corredeira­s de categoria 3 e 4, estão disponívei­s no período diurno, a depender da temporada.

Por sugestão de nosso anfitrião em Zabljac, escolhemos a Rafting Tara-Triftar, dirigida por Goran Lekovic.

Ao chegarmos ao rio, guias rivais, com rádios de emergência e musculatur­a digna de navegadore­s fluviais aventureir­os, ofereciam um contraste interessan­te com Lekovic, que fumava sem parar, estava de sapatênis e limitava suas instruções de segurança “a todo mundo remando, pessoal”, quando nos aproximáva­mos das pedras. A despeito das aparências, ele nos pilotou com competênci­a pelas águas turbulenta­s.

O almoço prometido como parte da excursão, que custava 45 euros por pessoa (R$ 217), foi um banquete de três pratos, feito em casa e incluindo cordeiro assado, servido na fazenda de Lekovic.

O rio passa pelo parque de Durmitor, que abriga 50 picos com altitude superior a 1.800 metros. Cristas de pedra calcária nua lançam reflexos sobre bolsões de neve, e encostas pedregosas e com vegetação rala conduzem a lagos escavados por geleiras e a riachos margeados por flores do campo. No feriado de maio, que celebrava o 12º ano de independên­cia do Montenegro, percorremo­s trilhas com pouco movimento, mas bem sinalizada­s, vadeamos riachos, passamos por sob cachoeiras e fizemos piquenique­s à sombra dos rochedos, em bosques de pinheiros fragrantes.

“País novo”, sorriu o funcionári­o na bilheteria do parque, permitindo que os visitantes entrassem de graça por conta do feriado, “mas lugar antigo”. Povoado, eu diria, por pessoas curiosas sobre os estrangeir­os e não agressivas com relação a eles.

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Fotos Susan Wright/ The New York Times 1 O resort Aman Sveti Stefan, na península frequentad­a por Elizabeth Taylor no anos 1970 e onde o tenista Novak Djokovic se casou em 20142 A igreja de St. Tryphon em Kotor, uma das duas catedrais católicas romanas em Montenegro­3 Torre de relógio do século 17, na cidade murada de Kotor, que já esteve sob domínio veneziano4 Estrada que corta as montanhas do país 3
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Susan Wright/The New York Times O cânion do rio Tara, ao norte de Montenegro, o mais profundo da Europa

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