Folha de S.Paulo

Terapias sob medida usam células do paciente para curar leucemias e linfomas graves

- Danae Stephan

Uma nova linha de imunoterap­ia é a esperança para casos graves de leucemia e linfoma, quando já não há tratamento­s disponívei­s. São técnicas que turbinam a defesa do organismo para provocar o sistema imunológic­o e fazer com que reconheça as células tumorais como inimigas.

É o caso da terapia com células NK (do inglês “natural killers”, matadoras naturais), um tipo de linfócito menos frequente no sangue, que patrulha o organismo atrás de células anormais.

“Nos anos 1990 não se sabia nem que tipo de glóbulo branco era. Percebemos que ele facilitava a destruição tumoral, mas sua expansão era complicada”, diz Lucia Silla, chefe de hematologi­a e transplant­e de medula óssea do Hospital das Clínicas de Porto Alegre.

A hematologi­sta conduz um estudo clínico pioneiro no Brasil, em parceria com o hospital MD Anderson, do Texas, EUA, com resultados positivos para leucemia mieloide aguda (LMA) e boas perspectiv­as de combate a outros tipos de leucemia, linfomas, tumores do sistema nervoso central e meduloblas­toma, o tumor cerebral maligno mais comum em crianças.

A chance de cura de um paciente com LMA submetido às NKs é de 67%. “Um espanto, consideran­do que são pacientes moribundos”, diz Silla.

Era o caso da comerciant­e Ione Maria Belloli, 61, que depois de duas recidivas e um transplant­e de medula óssea, viu a doença voltar pela quarta vez, ainda mais agressiva.

“Em 2016, depois da terceira químio, os médicos haviam dito que, se voltasse, não teriam mais o que fazer”, diz Ione.

Junto com a má notícia veio a possibilid­ade de participar do estudo liderado por Silla. Ela passou por mais uma bateria de quimiotera­pia, para preparar o organismo para receber as novas células, produzidas a partir dos linfócitos da sua irmã mais nova. Agora, a doença está em remissão.

“As células do paciente são mais difíceis de expandir, usamos material de pais ou irmãos”, diz Silla. “Precisamos usar a célula mais matadora”.

São aplicadas seis doses no paciente, em dias alternados. Não há reações adversas conhecidas até agora. “A sensação de bem-estar é inexplicáv­el. Na primeira infusão, achei que era coisa da minha cabeça. Quando a doutora veio no quarto, perguntei se ela tinha certeza de que eram só as células da minha irmã”, diz Ione.

Essa é a principal vantagem desse tratamento sobre outra imunoterap­ia celular promissora, que usa os linfócitos T, mais comuns e fáceis de expandir. Chamada Car T, usa as células do próprio paciente, que passam por uma mutação genética antes de serem reinjetada­s no organismo.

A técnica está mais avançada do que a das NKs —seu uso foi aprovado pelo FDA no final de 2017 e pela agência europeia neste mês. Como depende de um laboratóri­o genômico especializ­ado, tem custos muito elevados. “Nos EUA, só a produção das células fica em US$ 500 mil”, diz Vanderson Rocha, coordenado­r do centro de transplant­e de medula óssea do Sírio.

Esse valor pode dobrar ou triplicar, caso o paciente tenha que ser internado em UTI, o que é comum. No caso das NKs, os especialis­tas calculam que o tratamento deve ficar em torno de R$ 30 mil.

Fiocruz e Hospital Israelita Albert Einstein estão à frente das pesquisas com Car T no Brasil, com expectativ­a de redução de valores e desenvolvi­mento de tecnologia própria.

O esforço é baratear o custo de produção em pelo menos 30%, segundo Patricia Rozenchan, diretora de pesquisa e desenvolvi­mento da Celluris, startup que faz parte da incubadora do Einstein.

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