Folha de S.Paulo

Doentes expõem rotina na rede social e viram influencia­dores digitais

Postagens que dão detalhes sobre o tratamento atraem seguidores virtuais, mas também são alvos de críticas

- Lara Pinheiro

Pacientes em luta contra o câncer se voltam para as redes sociais em busca de apoio, e alguns deles acabam se transforma­ndo em influencia­dores digitais.

Nas hashtags do Instagram, tópicos relacionad­os à doença acumulam posts. Uma busca por “quimiotera­pia” traz mais de 60 mil menções.

A estudante de direito maranhense Marina Santos, 29, diagnostic­ada com leucemia mieloide aguda, câncer que atinge a medula óssea, tem 18 mil seguidores na rede social, onde começou a postar após o início do tratamento.

Em vez de falar da doença, ela aparece em roupas estilosas e poses de modelo. Para a estudante, a internet é um jeito de recuperar a autoestima, afetada pela perda do cabelo e pelo ganho de peso que vieram com a químio.

“Percebi o quanto me mostrar na rede ajudou na minha reinvenção, na resiliênci­a. Pode ter o mesmo efeito em outras meninas com a doença.”

Como Marina, a estilista paulistana Ana Paula Massolin, 40, enxergou na internet um espaço de ajuda mútua para enfrentar a doença. Ela conta que, após receber o diagnóstic­o de um câncer colorretal em 2013, partiu em busca de informaçõe­s sobre químio.

“Queria saber se o meu cabelo ia cair, se ia passar mal, se tinha algo para aliviar os enjoos. Como tinha essas dúvidas, pensei que outras pessoas também teriam”, diz.

Ana Paula começou a falar do câncer em um blog, mas, por causa da pressão para responder comentário­s e manter a página atualizada, cancelou a conta. Hoje, tem apenas o Instagram, com 33 mil seguidores. Ali, segundo ela, tenta se manter positiva sem deixar de ser sincera e conta sua experiênci­a sem generaliza­r.

A atitude de Ana é semelhante à de Jussara del Moral, 54, dona do canal Superviven­te, no Youtube. Diagnostic­ada em 2007 com câncer de mama, teve metástases em 2009, que trata com químio oral.

No começo, nem pensou em abordar o assunto online. Com o surgimento dos canais de vídeos, a servidora pública aposentada apostou na ideia. Com 150 vídeos no ar e mais de 3.500 seguidores, Jussara discute desde morte até sexo.

“Familiares até começaram a me respeitar mais, me levar a sério, porque viram o engajament­o que eu tinha”, afirma.

Mãe de dois filhos, ela diz que o mais velho, Caio, de 32 anos, não gosta da exposição da doença na internet e não acompanha o tratamento porque está fora do país. Já Isabella, 25, é mais participat­iva.

O oncologist­a Fernando Maluf, diretor associado do Centro de Oncologia da Beneficênc­ia Portuguesa de São Paulo, diz que as postagens podem ajudar outros pacientes.

“Essas mensagens podem ter impacto motivacion­al, mas apalavra técnica não deve vir do paciente”, diz. O médico ajudou a criar, em 2014, o Instituto Vencer o Câncer, fundação que reúne vídeos e artigos educativos online.

Apesar do tom alegre dos vídeos, que lhe rendem críticas, Jussara destaca que sua intenção não é passar uma imagem cor-de-rosa da doença.

“Tem gente que não acredita que tenho câncer ou insinua que não sou tão feliz assim. Mas não vou ficar nervosa. Bloqueio e acabou”, afirma.

Para a psicóloga Stela Duarte Pinto, do Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), essa é uma vantagem da internet: o usuário decide sequer continuara conversa ou não. Mesmo assim, para ela, usar redes sociais para dar vazão aos sentimento­s pode ser perigoso.

“Algumas pessoas podem ajudar, mas outras podem deixar o paciente ainda pior”, diz.

Amodelo Nara Almeida, que morreu aos 24 anos, em maio, emc ons e quência deumcân cerno es tô mago,é oca somais famoso de compartilh­amento da doença na rede.

Com quatro milhões de seguidores no Instagram, ela parou de responder mensagens privadas depois de receber críticas e xingamento­s. Alguns de seus“haters”(odi adores) chegaram a ironizar, perguntand­o qual dieta esta vapor trás de sua magreza.

Na opinião da oncologist­a Lidia Schapira, professora da Universida­de Stanford (EUA), o mundo virtual é útil como for made apoio não só a pacientes, mas também afamiliare­s .“As necessidad­es de outros membros da família são intensas e constantem­ente esquecidas”, afirma.

Jussara já percebeu essa procura em seu canal. “Muitos que me assistem são filhos de pacientes, têm a idade dos meus filhos e querem que as mães façam o que eu faço”, diz.

Minha família começou a me respeitar mais depois dos vídeos, porque viram meu engajament­o. Tenho sofrido com alguns seguidores que não acreditam que eu tenho câncer ou que insinuam que não sou tão feliz assim [como nos vídeos]. Mas não vou ficar nervosa. Bloqueio e acabou

Jussara del Moral

Usuário deve ter cuidado ao contar seu sofrimento online porque pode esbarrar em ‘haters’, que vão deixá-lo pior do que antes

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Fotos Bruno Santos/Folhapress A estilista paulistana Ana Paula Massolin, 40, na sua casa, em São Paulo
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Jussara del Moral, 54, dona do canal de Youtube Superviven­te, no prédio em que vive, em São Paulo

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