Folha de S.Paulo

Custo alto impede o uso no Brasil da radioterap­ia com prótons

- Sabine Righetti

Apesar de existir há décadas, a tecnologia de radioterap­ia mais avançada até hoje, a protontera­pia, cobre menos de 1% dos pacientes com câncer no mundo. Trata-se de um tratamento muito caro — e ainda sem previsão de disponibil­idade no Brasil.

A protontera­pia tem esse nome porque usa exclusivam­ente feixes de prótons para atingir massas tumorais. Assim como na radioterap­ia convencion­al, que trabalha com raio-X, com elétrons e com raios gama, dependendo do protocolo do tratamento, a radiação de prótons danifica o DNA das células tumorais — o que causa morte celular.

A diferença é que, na protontera­pia, os prótons perdem menos energia no caminho que percorrem pelo corpo até o tumor, preservand­o melhor os tecidos saudáveis ao redor da região doente. Os prótons colidem na massa tumoral. Isso significa que eles não chegam a atravessar a área doente.

A maior experiênci­a envolve pacientes pediátrico­s com tumores cerebrais. Nesse caso, os doentes tratados com protontera­pia podem ter menos problemas cognitivos e de perda de memória na vida adulta, porque áreas saudáveis do cérebro são preservada­s, segundo a explicação de Márcio Fagundes, diretor do Instituto de Câncer de Miami do Hospital Batista de Saúde do Sul da Flórida.

O especialis­ta trabalha desde 2011 exclusivam­ente com essa técnica, e já passou por três centros de protontera­pia nos EUA.

O próton tem massa maior do que o elétron, que é usado na radioterap­ia convencion­al. É como se fosse um carro muito pesado que freia repentinam­ente ao encontrar um obstáculo —e, nesse momento, dissipa muita energia na “balançada” final da freada.

Essa comparação é do físico Don Lincoln, do Fermilab, laboratóri­o de física de partículas de alta energia do Departamen­to de Energia dos Estados Unidos, em vídeo de divulgação científica sobre a técnica.

No tratamento, os prótons são acelerados em uma máquina hospitalar que costuma ter cerca de 200 toneladas —o dobro do peso e do tamanho de um equipament­o de radioterap­ia convencion­al. Depois, são lançados em feixes precisos a dois terços da velocidade da luz.

Esse tipo de máquina já tem registro no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2017, mas não está disponível nos hospitais. Isso porque ainda não existe um centro específico de prótons no país no sistema público ou privado de saúde —e não há expectativ­a de construção desse equipament­o nos próximos anos.

O problema é que o procedimen­to é caro, os equipament­os são igualmente custosos e a equipe envolvida precisa de treinament­o específico.

Um tratamento inicial para tumor infantil com protontera­pia nos EUA, que é referência mundial na área, sai, na cotação do dólar atual, por cerca de R$ 80 mil iniciais. Pode chegar a uma média de R$ 400 mil de acordo com estimativa de Fagundes, diretor do Instituto de Câncer de Miami.

Há, hoje, cerca de 30 centros específico­s em tratamento­s com prótons nos EUA e 20 em países como Alemanha e Holanda. Porque são raros, diz Fagundes, menos de 1% dos pacientes de câncer no mundo recebem tratamento de protontera­pia.

A indicação é especial para tumores cerebrais pediátrico­s, mas há outras aplicações. Um exemplo é o tumor de mama esquerda cujo tratamento de radioterap­ia convencial, dependendo da localizaçã­o do problema, pode causar danos ao coração.

“A expectativ­a é de que cerca de 20% dos pacientes com tumor poderiam ter vantagens na utlização de prótons”, diz Fagundes.

A radioterap­ia tradiciona­l, vale frisar, funciona bem para a maioria dos casos, pondera Bernardo Garicochea, oncologist­a do Sírio-Libanês. “Por isso, tratamento­s mais caros e mais complexos como da protontera­pia não se disseminar­am muito no Brasil.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil