Por que eu?
Perguntar ‘por que não eu’ também é vital para entender como o câncer poupa parte da população, diz Mukherjee
O componente hereditário, que angustia famílias com histórico da doença, está relacionado a algo entre 5% e 10% dos casos
Descobrir as causas do câncer tem sido o principal objetivo das pesquisas oncológicas no último século. Outro tão ou mais desafiante é entender o que protege parte da população de desenvolver a doença, afirma Siddhartha Mukherjee, pesquisador da Universidade Columbia.
Pouco se sabe sobre isso, e descobrir os motivos seria uma revolução na forma de pensar sobre prevenção e tratamento, avalia o médico, que ganhou um prêmio Pulitzer em 2011 com o livro “O Imperador de Todos os Males”.
“É uma questão muito mais difícil de responder cientificamente, mas essas perguntas são os dois lados da mesma moeda”, declarou na palestra de abertura do seminário Tecnologia contra o Câncer, realizado pela Folha na quinta (6), em São Paulo.
Parte da dificuldade para elucidar o problema está na diversidade da doença e no que o indiano Mukherjee (pronuncia-se muquérdi) chama de “impressão digital genética” de cada câncer.
Duas mulheres com tumores de mama aparentemente iguais, com as mesmas características, podem ter ainda assim duas doenças completamente diferentes, exemplifica o pesquisador.
“É possível descobrir qual gene eu preciso desligar para que o câncer de um indivíduo não cresça, mas isso pode não funcionar para outro paciente semelhante.”
O componente hereditário, preocupação recorrente em famílias com histórico de câncer, é responsável por algo entre 5% e 10% dos casos.
Mukherjee compara a hereditariedade da doença com a determinação da altura: sabese que geralmente pais altos têm filhos altos, mas não há um gene específico que determine a altura de uma pessoa. “Há combinações genéticas complexas que determinam algumas questões, e, no caso do câncer, muitos genes podem ser responsáveis.”
Uma das armas na prevenção da doença é o uso de testes genéticos capazes de detectar mutações associadas ao aparecimento de certos cânceres, como de mama e de ovário. A existência da mutação, porém, não é uma sentença.
Um estudo feito em São Paulo com cerca de 1.300 pessoas saudáveis acima de 60 anos verificou que dez delas apresentavam mutações genéticas associadas ao câncer. Nove foram localizadas posteriormente e apenas duas haviam desenvolvido a doença.
“Será que é o ambiente? O background genético? Ou será que elas têm variantes protetoras?”, questiona Mayana Zatz, diretora do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP, que mencionou o estudo.
A geneticista observa que, apesar de promissores para o diagnóstico e tratamento de tumores, os testes genéticos suscitam uma série de dilemas éticos que precisam ser discutidos no meio científico.
“O que fazer quando você procura a mutação para uma doença e encontra outra? E se for uma criança, por exemplo, devemos contar ou não?”
Mesmo um resultado negativo não perm iteque apessoa deixe de se cuidar, porque ninguém está livre de risco.
Além disso, a ciência ainda nãoécapazd ere conhecer todas as mutações relativasà doença, ressalvou Artur Katz, diretor-geral do Centro de Oncologia do Sírio-Libanês.
O que já se sabe com base científica é que cuidados simples, como evitar o cigarro, manter o peso ideal eter uma alimentação saudável, ajudam a reduzir os gatilhos de tipos variados de câncer.
Segundo os debatedores, um misto de desinformação e desinteresse trava a ampliação de medidas preventivas .
Um caso embl em áticoéo do câncer de colo de útero, praticamente erradicado em países desenvolvidos.
A doença tem no Brasil um modelo ideal de rastreamento, baseado na vacinação contra o vírus HPV e no exame de papanicolau( ambos disponíveis nosistemapúb licodes aú de ), masa indaéo terceiro ti pomais comum de câncer entre as brasileiras e mantém altos índices de letalidade.
Uma saída, sugerida por Angélica Nogueira Rodrigues, professora da Faculdade de Medicina da UFMG e presidente do Grupo Brasileiro de TumoresGi neco lógicos,éa criação, também para o câncer de colo de útero, de campanhas específicas como as que já existem para o câncer de mama (Outubro Rosa) e de próstata (Novembro Azul).
Em sua quarta edição, o seminário abordou o uso da tecnologia contra o câncer. O evento teve o patrocínio da Roche Farma Brasil, com apoio do Hospital Sírio-Libanês e da farmacêutica Abbvie.
O câncer é, ironicamente, sintoma do nosso sucesso como seres humanos. Combatemos uma série de doenças, o que nos permitiu viver mais, porém o câncer é uma doença relacionada ao envelhecimento Sidhartha Mukherjee, médico, pesquisador da Universidade Columbia e vencedor do prêmio Pulitzer de não-ficção de 2011 (“O Imperador de Todos os Males”) É importante fazer detecção precoce, mas os exames ainda não são perfeitos. Nossas ferramentas precisam ser aprimoradas para que a gente evite resultados inapropriados Artur Katz, diretor-geral do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês Em São Paulo, estado mais rico do país, menos da metade dos serviços que tratam câncer usa prontuário eletrônico. Sem dados informatizados, não adianta ter inteligência artificial Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira)