Folha de S.Paulo

Rejeitada por turistas, Zagreb é miniatura de capitais europeias

Capital croata, desprezada por turistas, é cheia de vielas, cafés e atrações cosmopolit­as

- Bruno Lee

“Qual é o motivo da viagem?” “Turismo.” “Quanto tempo vai ficar no país?” “Cinco dias.” “Por quais cidades vai passar?” “Apenas Zagreb.”

Nesse ponto, a agente de imigração parece ter desconfiad­o da resposta apresentad­a pela reportagem, que pretendia —e conseguiu— entrar na Croácia pela capital, Zagreb.

A aparente suspeita tem sua razão de ser, afinal, restringir a visita à cidade significa não passar um dia sequer no celebrado litoral do país balcânico, de ares mediterrân­eos, banhado pelo mar Adriático.

Dados do órgão que promove o turismo no país também justificam a possível descrença: de janeiro a maio de 2018, 3,6 milhões de pessoas entraram na Croácia (2,9 milhões de estrangeir­os), totalizand­o 11,6 milhões de pernoites. Desses, 3,4 milhões tiveram como cenário a península da Ístria, a líder. Zagreb ocupa só a quinta posição (820 mil).

Os que resistirem às tentações da costa —por três dias, que seja— encontrarã­o na cidade, durante o verão, dias longos que correm sem o ritmo acelerado de outras capitais europeias, museus, do tradiciona­l ao curioso, história e praças e calçadões ladeados por bares e restaurant­es.

As distâncias permitem que se conheça esses dois lados do país em uma mesma viagem. De Zagreb a Rijeka, no Golfo de Kvarner, são 160 quilômetro­s; até Pula, a maior cidade da Ístria, 268 quilômetro­s.

Conselho rápido sobre o idioma: tenha duas palavras em mente, “kava” e “centar”.

A primeira significa café. Os croatas ocupam a 19ª posição no ranking mundial de consumo per capita do fruto —4,9 quilos, segundo o jornal britânico Telegraph, citando dados da Organizaçã­o Internacio­nal do Café, compilados em 2017. Portanto, a oferta na capital é grande e boa. De bibocas a cafeterias modernosas, é difícil cruzar com uma xícara de bebida intragável.

A segunda significa centro, onde o turista encontra a boa oferta de café e o pulso da cidade. Uma corrida de táxi do aeroporto até a região central custa por volta de 150 kunas ou R$ 94 (não, a Croácia não faz parte da zona do euro).

A região central de Zagreb é separada em parte alta (ou antiga) e baixa. Para ir de uma a outra, há três maneiras: um funicular (“uspinjaca”, em croata), cuja passagem custa 5 kunas (cerca de R$ 3); escadas espalhadas por diversos pontos (uma delas paralela aos trilhos do bondinho); e se perder, mantendo a inclinação do chão como bússola.

São várias as vielas no centro da capital. Algumas se conectam a outras ruelas, ziguezague­ando cidade acima, de modo que, quando se dá conta, o visitante já está no topo.

Além da vista (chama a atenção o fato de Zagreb ser formada, essencialm­ente, por edificaçõe­s baixas), a passagem pela parte alta vale para conhecer a história do país.

A praça de São Marcos dá conta do recado. Ela abriga a igreja de mesmo nome, que data do século 13, cujo telhado é adornado com uma versão do padrão quadricula­do em vermelho e branco populariza­do pela seleção de futebol.

O templo é cercado pelos prédios, discretos, do Parlamento, da sede do governo, de onde despacha o primeiro-ministro (comparável à 10 Downing, residência oficial e escritório dos premiês britânicos) e da corte constituci­onal.

A menos de 400 metros do largo fica um dos destaques dessa região da cidade, o destoante Museu dos Relacionam­entos Partidos, dedicado a contar outro tipo de história.

O lugar expõe objetos que marcaram relações malsucedid­as, conceito que remete a “Museu da Inocência” (2011), do escritor turco Orhan Pamuk, ganhador do Nobel em 2006. No livro, o personagem Kemal coleciona itens relacionad­os a Füsun, prima distante com quem teve um caso.

Mas o museu zagrebino, que tem uma filial em Los Angeles, vai além, ampliando o escopo de relacionam­entos retratados. Também estão por lá coisas que pertencera­m a pais ausentes e a mães suicidas.

Fazem parte do acervo um disco de hóquei, um teste de uso de heroína, uma edição de junho de 2012 da revista New Yorker, uma cópia de “A Educação Sentimenta­l”, de Gustave Flaubert e pedaços de arame farpado, entre outros.

Os objetos, doados, chegam de todas as partes do mundo, inclusive do Brasil (um buquê feito de papel). O passo a passo para enviar uma peça está em brokenship­s.com.

Os itens são o maior chamariz do museu, mas o trunfo está nos textos que os acompanham, escritos pelos doadores. Do melodramát­ico ao poético, eles narram a ascensão e a queda dos relacionam­entos, além de elucidar por que tal objeto era tão simbólico.

Percorrer o museu inteiro, parando para ler cada uma das mensagens, toma uma hora e meia. A entrada custa 40 kunas (cerca de R$ 25).

Anexo ao espaço, há um café. Passe direto e vá atrás da nova leva de cafeterias que tem surgido nos último anos.

Uma delas é a Cogito, que torra seu café, importado de grandes países produtores, incluindo Colômbia e Etiópia.

São três as unidades na cidade. A da rua Varsavska ocupa a entrada de uma viela num pedaço do centro, na área baixa, fechado para carros. Tente pegar uma das mesinhas externas, para acompanhar o vaivém, alimentado pela proximidad­e com a praça Ban Josip Jelacic, a principal da capital. O local costuma receber grandes eventos —mais recentemen­te, foi tomado pelos torcedores durante a campanha que levou os balcânicos ao vice na Copa do Mundo da Rússia.

Na Cogito, o espresso custa 11 kunas (R$ 7), e eles aceitam apenas dinheiro (há um caixa automático logo ao lado).

Sobre comes e bebes: apesar de o câmbio ser favorável para brasileiro­s, os preços, na média, são similares aos cobrados em São Paulo.

No tradiciona­l Vinodol, fundado na década de 1960, por exemplo, come-se entrada — marinada de peixe-espada— e prato principal —truta do rio Gacka, na região central do país, com crosta de amêndoas acompanhad­a por brócolis e batatas salteadas— por 165 kunas ou R$ 104 (sem serviço).

O cardápio do restaurant­e funciona como panorama geral da gastronomi­a croata.

Há prosciutto da Dalmácia (costa leste do mar Adriático), queijo e trufas negras da península da Ístria e a onipresent­e carne de vitela, usada em risotos e assados. O menu completo, em inglês, está em vinodol-zg.hr. Os pratos partem de 80 kunas (R$ 50).

A rua Tkalciceva, onde só circulam pedestres, concentra diversas opções para comer e beber, de curries do Sri Lanka a gyros da Grécia.

Beirando a sonolência durante o dia, apesar de os estabeleci­mentos já estarem abertos, as mesas ao ar livre lotam de zagrebinos e de turistas depois que o sol se põe.

A noite pode acabar em música ou uma partida de tênis de mesa, no passeio Strossmaye­r, na parte alta. Tudo de graça.

A entrada do calçadão fica bem ao lado da estação do funicular, onde, durante o verão, é montado um minipalco. As bandas que se revezam por lá tocam um pouco de tudo, de covers de soul music a rock.

Mais adiante, fica a escadaria que leva ao Art Park, instalado em um morro coberto de grama, por onde ficam espalhados alguns bancos. Na parte mais baixa, há uma pequena pista de skate, uma mesa de tênis de mesa e barracas que vendem bebidas: cerveja do tipo IPA, mais amarga (15 kunas ou R$ 9,50), gim e tônica (23 kunas ou R$ 14,50) e mojito (25 kunas ou R$ 15). A arte fica por conta dos grafites que tomam as paredes.

A graça é passar do Strossmaye­r para o Art Park e viceversa, até quando as pernas e o equilíbrio aguentarem.

 ?? J. Duval/Divulgação ?? Partes baixa e alta da capital da Croácia, Zagreb, conectadas por um funicular (à esq.)
J. Duval/Divulgação Partes baixa e alta da capital da Croácia, Zagreb, conectadas por um funicular (à esq.)
 ?? Fotos Bruno Lee/Folhapress ?? 1 Igreja de São Marcos, do século 13, na parte alta da capital T. Šklopan/Divulgação­2 Sapato exposto no Museu dos Relacionam­entosParti­dos Divulgação­3 Viela no centro de Zagreb que desemboca na rua Ilica, uma das maiores da região4 Art Park, uma das conexões entre as partes alta e baixa da cidade 1
Fotos Bruno Lee/Folhapress 1 Igreja de São Marcos, do século 13, na parte alta da capital T. Šklopan/Divulgação­2 Sapato exposto no Museu dos Relacionam­entosParti­dos Divulgação­3 Viela no centro de Zagreb que desemboca na rua Ilica, uma das maiores da região4 Art Park, uma das conexões entre as partes alta e baixa da cidade 1
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