Folha de S.Paulo

José Alexandre Scheinkman Presidenci­áveis repetem erros que geraram a crise

Para professor da Universida­de Columbia, nos EUA, crise fiscal que assola o Brasil vem sendo ignorada na campanha à Presidênci­a

- Érica Fraga Mila Maluhy - 6.ago.2015/Divulgação/Insper

Propostas dos presidenci­áveis repetem erros que levaram o país à mais recente recessão, diz o economista José Alexandre Scheinkman. Entre eles estaria a ideia de que se deve proteger a economia.

são paulo Algumas propostas dos candidatos que lideram a corrida à Presidênci­a da República indicam que o Brasil persiste em erros que o levaram à última recessão.

A opinião é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, 70, professor da Universida­de Columbia, nos Estados Unidos. Entre os presidenci­áveis cujas ideias são criticadas pelo pesquisado­r, está Ciro Gomes (PDT), a quem Scheinkman assessorou no pleito de 2002.

Na época, a contribuiç­ão culminou na elaboração da chamada “Agenda Perdida”, compilação de ideias de vários especialis­tas, que teve pontos adotados pelo governo Lula.

Entre as propostas atuais de Ciro que Scheinkman considera equivocada­s está a recriação de um imposto sobre movimentaç­ões financeira­s.

“Essa taxa, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia”, diz.

Ele também criticou a promessa de Jair Bolsonaro (PSL) de resolver o déficit fiscal no próximo ano, por considerál­a inviável. Para o economista, a eleição do capitão reformado representa­ria um formidável retrocesso para o Brasil.

Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) são, na opinião do economista, os candidatos mais cientes das medidas que precisam ser adotadas para resolver a crise fiscal brasileira.

Em 2016, o sr. disse à Folha que a repetição de erros cometidos pelo Brasil o fazia lembrar o filme “Feitiço do tempo”, em que um homem vive o mesmo dia várias vezes. Ainda tem essa impressão? Sim. As propostas da campanha presidenci­al mostram que alguns candidatos estão prometendo repetir os mesmos erros do passado, como a ideia de que o Estado precisa proteger a economia. Políticas assim criaram uma série de problemas, mas acho que as pessoas esquecem.

O Plano Real foi muito importante. Mas a verdade é que só acabar com a inflação não foi a chave mágica para o Brasil crescer. E o nosso desafio é a questão da produtivid­ade. Nós fazemos as coisas pior do que os outros países, e cada vez pior.

Por que o país não avançou? O governo precisa criar o ambiente para que as firmas aumentem sua produtivid­ade. Acho que, em parte, isso não aconteceu exatamente pelo que a gente falou sobre o filme, vamos voltando aos mesmos problemas.

O país tinha, de uma certa maneira, equacionad­o seu problema fiscal no final do Plano Real, mas a partir principalm­ente do segundo governo Lula —e certamente do primeiro governo Dilma [Rousseff ] em diante—, a gente retomou o caminho de tentar resolver todos os nossos problemas gastando mais do que arrecadava. E, quando você escuta os detalhes dos programas de alguns candidatos, eles também falam em gastar mais.

A quais programas o sr. se refere? Deixe-me colocar de outra maneira. Acho que existe uma crise fiscal importante no Brasil e acho que, na discussão da eleição, essa crise fiscal está sendo ignorada em vários graus pelos diferentes candidatos. Ou, então, eles apresentam soluções mágicas, como a de que vão acabar com o déficit fiscal no ano que vem, coisa que você sabe que não vai acontecer.

O sr. vê esse problema em todos os programas dos candidatos que lideram as pesquisas? Acho que as assessoria­s econômicas de Alckmin e Marina estão mais consciente­s do que é preciso fazer. Não adianta só falar do problema fiscal; outros candidatos também falam, mas é preciso ter ideia do que pode ser feito.

Há promessa de que, no ano que vem, acabam todos os nossos problemas porque vão vender todas as estatais, o que obviamente não é uma coisa possível porque enfrentari­a resistênci­a no Congresso, ou de resolver o déficit da Previdênci­a instituind­o o sistema de capitaliza­ção.

Que questões mais urgentes o sr. acha que Alckmin e Marina entendem melhor? A reforma da Previdênci­a não vai poder ser muito diferente do que foi proposto pelo governo [de Michel] Temer. Obviamente, há detalhes que podem ser alterados, mas é necessário instituir uma idade mínima para a aposentado­ria porque há um problema demográfic­o.

Precisamos decidir o que fazer a respeito das diferenças em relação a mulheres e homens. O Brasil é um dos poucos países que fazem essa diferencia­ção. Evidenteme­nte, as pessoas reconhecem que a mulher tem muitas tarefas fora do trabalho, mas a contrapart­ida disso é que vivem mais do que os homens.

E há o problema dos regimes especiais que, essencialm­ente, se referem a uma parte do funcionali­smo público que tem uma aposentado­ria não compatível com a riqueza do Estado brasileiro.

Por que a recuperaçã­o da economia tem sido decepciona­nte, apesar de algumas mu-

danças feitas pela gestão Temer? Algumas medidas terão efeito de mais longo prazo, como a reforma trabalhist­a. A condução da política monetária mudou muito. Vínhamos de um Banco Central conduzido de forma muito política e mudamos para um que teve realmente independên­cia. Baixamos nosso patamar de inflação e os juros reais. Isso vai ajudar o processo de investimen­to.

O teto dos gastos é um negócio interessan­te porque supostamen­te é uma alavanca para certas reformas fiscais e, infelizmen­te, ele aconteceu, mas as reformas fiscais necessária­s para sustentá-lo não ocorreram. No curto prazo, o teto teve um efeito negativo sobre investimen­tos, porque é a única coisa flexível do lado do gasto.

Vai ser inevitável aumentar

impostos? Esse é outro problema. Várias das propostas [das campanhas] têm pautas como imposto sobre o cheque. Na época do Plano Real, o Estado brasileiro coletava [em impostos] o equivalent­e a 24% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, a carga tributária é 33% do PIB. A pergunta para esses candidatos é: aumentamos nove pontos do PIB em impostos, que problemas do Brasil resolvemos com isso? Um terço da carga tributária, sem ter o que mostrar. Aí, você fica propondo mais impostos.

Alguns dos pontos que o sr. critica são defendidos pelo candidato Ciro Gomes. As propostas dele hoje estão muito distantes da “Agenda Perdida”? Eu leio as coisas no jornal, o que dizem os economista­s ligados à campanha. Não tenho nenhum contato com o Ciro. Então, é difícil eu julgar.

Acho que, evidenteme­nte, as políticas sociais do Bolsonaro representa­riam um formidável retrocesso e o seu histórico como parlamenta­r contradiz o seu discurso econômico atual.

Mas vou falar do exemplo da capitaliza­ção da Previdênci­a. Não há nada de errado com você visar a isso. Mas não resolve o problema atual ou talvez o faça ainda mais agudo. As pensões das pessoas que já ganharam com base no sistema antigo são pagas com a contribuiç­ão dos empregados atuais. Se a previdênci­a for capitaliza­da, essas pessoas não vão contribuir mais.

Parte do que nós discutimos na Agenda é que são necessário­s impostos que não distorçam a economia mais ainda. A taxa sobre movimentaç­ão financeira, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia. Então, evidenteme­nte, isso vai completame­nte contra o tipo de proposta que eu fiz na agenda.

Quanto à capitaliza­ção da Previdênci­a, não foi só o Ciro que falou isso. De uma certa maneira, é falta de uma pessoa fazer as contas que são necessária­s para entender o problema.

Por que a eleição de Bolsonaro seria um retrocesso? O Brasil, de fato, precisa de uma nova política de segurança e fracassou nessa agenda com governos de vários matizes. Agora, um dos problemas graves que temos é que a polícia mata muito. Então, dar uma licença para a polícia matar com mais facilidade não vai resolver nosso problema de criminalid­ade.

Outra coisa que me preocupa nesse discurso é o seguinte: o Brasil teve políticas discrimina­tórias contra certos grupos e ainda hoje, quando você tenta explicar os salários das pessoas, depois de corrigir por educação, onde eles moram etc., raça ainda conta. Então, você precisa ter certas políticas de afirmação enquanto a universida­de for gratuita.

Como resolver o problema do atraso da produtivid­ade que já era urgente há décadas e

só se torna pior? Temos de melhorar muito a infraestru­tura do país. A gente poderia ter um sistema em que o setor privado contribuís­se mais, mas, para isso, é preciso criar um arcabouço jurídico que o deixe à vontade.

Outra maneira é se integrar mais à economia mundial. Vários avanços tecnológic­os entram no setor produtivo através da compra de insumos, bens de capital, de parcerias, etc. Em relação ao PIB, o Brasil comerciali­za muito pouco com o resto do mundo.

Uma grande dificuldad­e é que há setores que se beneficiam muito desse fechamento. Um exemplo claro é a indústria automobilí­stica, que consegue vender carros caros —em relação à qualidade— no Brasil porque não tem concorrênc­ia.

O outro problema é nosso sistema de impostos. Tentar entender a legislação de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadoria­s e Serviços] é impossível. Além disso, o sistema tributário atual beneficia muito as firmas pequenas, em geral menos eficientes.

Agora, qualquer reforma vai encontrar resistênci­a. Algumas são legítimas. Acho legítimo, por exemplo, que, se uma abertura econômica afetar o emprego em certas áreas, a gente pense num programa que ajude esses trabalhado­res até que ocorra uma realocação.

Agora, isso não quer dizer que você tem de pegar um empresário e dizer: ‘Olha, você se beneficiou desse programa por 20 anos. Agora terá mais de 10 anos de proteção antes de perdê-lo’. Isso é um absurdo, né?

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