Folha de S.Paulo

As alianças globais do PT

O Brasil tem todas as condições de regressar ao palco mundial em 2019

- Mathias Alencastro Pesquisado­r do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to e doutor em ciência política pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

É simbólico Fernando Haddad ter assumido a chapa presidenci­al do PT na semana que marca os dez anos da deflagraçã­o da crise financeira global. Para o partido, esse momento chave da história remete a duas memórias distintas.

O ano de 2008 lançou a melhor fase da diplomacia do governo Lula (2003-10), que aproveitou as tribulaçõe­s no Atlântico Norte para reforçar a presença do Brasil nas instituiçõ­es de Bretton Woods, desenhadas após a Segunda Guerra.

Lula armou uma aliança heteróclit­a que incluía o bolivarian­o Hugo Chávez, o neoconserv­ador Nicolas Sarkozy e até Dimitri Medvedev, que então liderava o período de maior abertura da era Putin na Rússia.

O mesmo 2008, no entanto, também é o começo da ofensiva conservado­ra contra as democracia­s que redesenhou ordem internacio­nal.

No seu atual programa de governo, o PT ambiciona retomar a política externa elaborada por Lula e descontinu­ada pelos seus sucessores. Para afrontar o mundo que emergiu da crise financeira, será imperativo desenvolve­r uma rede de alianças totalmente nova.

Na América Latina, os antigos aliados alternam entre ingovernab­ilidade e caos completo. Com a adesão à Otan (aliança militar ocidental) e à OCDE (que reúne os países mais ricos), a Colômbia virouse para o Atlântico Norte.

Todavia, a entrada em cena de Andrés Manuel López Obrador no México em dezembro e as dificuldad­es da alternativ­a ensaiada por Mauricio Macri na Argentina abrem espaço para uma nova política regional.

As prioridade­s seriam a busca de uma resposta conjunta à diplomacia americana e de uma solução interna para a crise na Venezuela.

O regresso à normalidad­e democrátic­a promovido por um eventual governo Haddad seria o ponto de partida para a reaproxima­ção com a Europa.

Haddad poderia contar com o primeiro ministro português, António Costa, um aliado muito influente —o seu ministro Mário Centeno preside o Eurogrupo, a principal instância financeira da UE. Nas relações com a França, Haddad teria a vantagem de começar do zero. Emmanuel Macron aguarda a eleição do novo presidente brasileiro para definir a sua estratégia para a América Latina.

Não menos importante, a próxima cimeira será a última cartada para resgatar o Brics da obsolescên­cia. Relegado a um papel secundário por uma China com ambições globais, o grupo corre o risco de tornarse mera entidade legitimado­ra de autocracia­s se confirmada a adesão da Turquia.

Uma parceria com o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, que tem perfil semelhante ao de Haddad, poderia ser o motor para a reorganiza­ção dos Brics em torno dos seus membros democrátic­os.

A África do Sul seria o exemplo a seguir pelo governo do PT. Referência do Sul Global, o governo do Congresso Nacional Africano afundou sob o comando de Jacob Zuma.

Com um discurso democrátic­o e reformista, Ramaphosa, apelidado de “Ramaphoria” pelo otimismo que suscita, conquistou a opinião internacio­nal e reverteu um quadro dramático em poucos meses.

Ao contrário do que a melancolia ambiente sugere, o Brasil tem todas as condições de regressar ao palco mundial em 2019 de forma tão surpreende­nte como foi o seu afastament­o a partir de 2011.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil