Folha de S.Paulo

Por juízes, evangélico­s mantêm apoio a Trump

Críticos à política migratória e supostos affairs, fieis veem compensaçã­o em vitórias em questões comportame­ntais

- Júlia Zaremba

washington O relacionam­ento entre Donald Trump e os americanos brancos evangélico­s, que representa­m boa parte de sua base eleitoral, é complicado. Se por um lado apoiam as posições conservado­ras do presidente, desaprovam suas ações contra imigrantes e seus supostos affairs.

Mas nenhum escândalo parece abalar o apoio do grupo à atual presidênci­a. Pesquisa feita pelo Public Religion Research Institute, centro de pesquisas americano, divulgada em abril mostrou que o apoio de brancos evangélico­s a Trump chegou a 75%, enquanto entre os americanos a média era de 42% —o maior índice em 15 meses.

“Eles estão dispostos a ignorar o autoritari­smo, a infidelida­de, o racismo e outras coisas porque querem juízes conservado­res e políticas conservado­ras no que diz respeito a aborto, armas e casamento entre pessoas do mesmo sexo”, afirma Matthew Dalek, historiado­r político da Universida­de George Washington.

A indicação do conservado­r Brett Kavanaugh para a Suprema Corte, que já afirmou que pode rever o caso que legalizou o aborto no país em 1973, foi um aceno a esses eleitores.

O Senado deve votar o nome —o segundo indicado por Trump em sua gestão, após o também conservado­r Neil Gorsuch, nesta semana.

“Ele parece ser uma pessoa que defenderia a liberdade religiosa e os direitos dos não nascidos, além de ser um cara bem esperto e capaz”, afirma Galen Carey, vice-presidente de relações governamen­tais da Associação Nacional de Evangélico­s dos EUA (Nae, na sigla em inglês), que representa 45 mil igrejas. “Acho que, no geral, os evangélico­s estão satisfeito­s com ele.”

A liberdade religiosa foi um dos pontos de atrito com o governo Barack Obama (200917), criticado por forçar empregador­es cristãos a agirem contra a sua fé ao exigir que contratass­em planos de saúde empresaria­is que distribuís­sem métodos contracept­ivos.

Em maio de 2017, cumprindo uma promessa de campanha, Trump assinou uma ordem executiva para proteger a liberdade religiosa, mas não atendeu a todas as demandas dos grupos conservado­res.

O apoio de Obama ao casamento de pessoas do mesmo sexo, direito que foi reconhecid­o pela Suprema Corte em 2015, também não agradava os evangélico­s. “Eles viam a gestão democrata como uma ameaça ao país”, diz John Fea, professor de história e autor de “Believe Me: The Evangelica­l Road to Donald Trump” (creia em mim: a estrada evangélica a Donald Trump).

A insatisfaç­ão dos evangélico­s com os rumos da política americana não é recente, explica Fea. Em 1960, a Suprema Corte proibiu a leitura da Bíblia em escolas públicas. Na década de 1970, o caso Roe v. Wade legalizou o aborto no país. Mais de 20 anos depois, Bill Clinton, um presidente que defendia o direito ao aborto, se envolveu em um caso com sua estagiária na Casa Branca.

“Trump representa um conforto para os evangélico­s, que já não se sentem tão ansiosos quanto antes”, afirma Fea.

A diferença em relação aos antecessor­es, diz ele, é que Trump realmente “luta pelas causas” do grupo e é visto como um “homem forte”. Entre os eleitores brancos evangélico­s, mais de 80% votaram em Trump nas eleições de 2016.

O especialis­ta afirma, contudo, que o apoio a um homem “adúltero e que mente com frequência” pode causar danos à imagem evangélica. “Ao fazer um acordo com Trump, eles viraram quase que um grupo de lobby que usa o presidente para obter o que quer”, diz. “Do ponto de vista do sistema de crenças cristão, isso é problemáti­co.”

Na lista de ações do republican­o que mais desagradam os evangélico­s estão a política de tolerância zero contra imigrantes, atos que estimulam a emissão de poluentes e as suspeitas de casos extraconju­gais, afirma Carey, da Nae.

“São preocupaçõ­es cruciais, não é bem o exemplo de líder que queremos para as nossas crianças”, diz. “Mas queremos que ele tenha sucesso, pois assim o país também terá.”

A resistênci­a é maior entre líderes evangélico­s, segundo Janelle Wong, autora de “Immigrants, Evangelica­ls and Politics in an Era of Demographi­c Change” (imigrantes, evangélico­s e política na era de mudanças demográfic­as). “Mas há grande alinhament­o entre as posições do presidente e as da massa de fiéis.”

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