Folha de S.Paulo

Presidenci­áveis querem rever políticas do governo Temer para a educação

Candidatos à Presidênci­a propõem ajustes e põem em xeque reforma do ensino médio e base nacional

- Paulo Saldaña

A revisão das duas principais políticas educaciona­is discutidas no governo Michel Temer (MDB), a reforma do ensino médio e a Base Nacional Comum Curricular, consta nas propostas para a educação dos candidatos à Presidênci­a mais bem colocados nas intenções de voto.

A preocupaçã­o com a área tem destaque nos programas de governo e também tem aparecido em debates e entrevista­s. Uma maior atenção federal para a educação básica, em especial para creches, pré-escolas e para a questão docente são exemplos de temas que se repetem nas propostas. Apesar disso, a maioria das promessas carece de detalhes para sua viabilidad­e.

Planos de alterações ou ajustes na base nacional —que define o que os alunos devem aprender na educação básica— estão no programa de governo do líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), e também nos documentos de Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), posicionad­os, respectiva­mente, nas segunda e terceira colocações.

Já a reforma do ensino médio, que flexibiliz­a o currículo, é colocada em xeque por Haddad e Marina Silva (Rede).

Haddad promete revogar a medida, já Marina defende avaliá-la criticamen­te. Geraldo Alckmin (PSDB) não cita a reforma no programa, mas em nota fala em estimulá-la.

O ensino médio é apontado por especialis­tas como um grave gargalo da educação. Registra alta taxa de abandono e baixos indicadore­s de aprendizad­o. A maioria das matrículas é de responsabi­lidade dos governos estaduais —à União cabe, em geral, a indução de políticas.

A reforma do ensino médio mexeu com a arquitetur­a da etapa e foi aprovada de forma acelerada pelo governo Temer em 2017. Estipulou que 60% da carga horária contemple conteúdos comuns, a partir do que constar na Base Nacional. Para o restante, os alunos escolhem entre cinco opções (se houver oferta): linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ensino técnico.

A oferta dessas linhas é um dos principais desafios para a reforma. Mais de metade dos municípios do país só tem uma escola de ensino médio.

O bloco da base nacional re- ferente à etapa ainda está em discussão no CNE (Conselho Nacional de Educação) e tem sido bastante criticado. Mesmo entre membros do conselho há dúvidas sobre a chance de aprovação neste ano.

A parte da base que trata da educação infantil e ensino fundamenta­l está em fase de implementa­ção nos estados e municípios, que devem criar seus currículos à luz desse documento.

O programa de governo de Bolsonaro prevê alterações em todo conteúdo desde a alfabetiza­ção, “expurgando a ideologia de Paulo Freire”. Em entrevista­s, já disse que Paulo Freire representa­ria um viés marxista da educação.

Freire (1921-1997) é patrono da educação brasileira. Seu livro “Pedagogia do Oprimido”, de 1968, é uma das obras mais citadas no mundo.

O programa não detalha quais alterações seriam feitas, mas defende mais aulas de matemática, ciências e português, “sem doutrinaçã­o e sexualizaç­ão precoce”.

Sobre o ensino médio, Haddad promete criar um novo marco legal para a etapa. O candidato promete iniciar a construção desse modelo nos primeiros dias de governo, com participaç­ão popular.

Marina não detalha quais mudanças seriam promovidas no ensino médio, mas uma das preocupaçõ­es, segundo nota da campanha, é a possibilid­ade de a reforma criar desigualda­des.

Haddad e Ciro defendem bolsas para incentivar a permanênci­a de alunos no ensino médio. Marina propõe a criação de poupança para combater a evasão. Alckmin, por sua vez, diz apostar no ensino técnico, levando para o país a experiênci­a das Etecs (escolas técnicas) de São Paulo.

Bolsonaro, que não respondeu à Folha, já falou em entrevista­s que quer investir em escolas militares e defendeu a educação a distância até no ensino fundamenta­l como forma de “combater o marxismo”.

O candidato é partidário do Escola sem Partido, movimento que acusa professore­s de doutrinar alunos. O alvo principal tem sido a discussão de gênero e educação sexual.

Abordar temas sobre identidade de gênero pode, dizem especialis­tas, minimizar problemas como a violência contra a mulher, gravidez na adolescênc­ia e a homofobia.

O governo Temer excluiu dez menções ao combate à discrimina­ção de gênero do texto final da Base Nacional, às vésperas da votação final no conselho, em 2017.

Haddad quer tirar da base “imposições obscuranti­stas”, sem detalhar. “[Vamos] retomar o processo democrátic­o e promover fortes ajustes”, afirma em nota, “em diálogo com a sociedade”.

Entre os mais posicionad­os, só Haddad se coloca contra o Escola sem Partido. Ciro e Marina, entretanto, prometem incluir estratégia­s para combater discrimina­ções, como as que miram a orientação sexual. Alckmin fala em ações para prevenir a gravidez precoce.

A presidente do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, diz que os candidatos têm tentando aprofundar suas propostas. “Recomeçar e jogar tudo fora não é boa saída. Seria mais interessan­te analisar o que pode dar errado e corrigir, não recomeçar do zero”, diz. “Mas a prioridade será o professor”, completa.

“O próximo governo vai ter que enfrentar isso, é como [a criseda]aPrevidênc­ia”,dizMônica Gardelli Franco, diretora do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitári­a).

A questão docente é lembrada por todos. Bolsonaro fala em “qualificaç­ão crescente dos professore­s”. Haddad, em criar condições para garantir o piso salarial nacional, instituir diretrizes para manter os profission­ais em uma escola e criar a prova nacional para ingresso na carreira docente.

Ciro também pretende criar a prova de ingresso, além de um sistema de incentivos para professore­s e controle estrito de faltas. Ele ainda promete envolver o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) no apoio à melhoria da infraestru­tura escolar.

Alckmin defende transforma­r a carreira do professor em “uma das mais prestigiad­as”. O tucano fala em ampliar salário e mexer na formação dos professore­s. Já Marina, em “ações voltadas ao aprimorame­nto da formação pedagógica e dos planos de carreira”.

Haddad, Ciro e Marina defendem a elevação dos investimen­tos em educação, até garantir para a área 10% do PIB (Produto Interno Bruto). Os três citam o PNE (Plano Nacional de Educação) como uma diretriz. Aprovado em 2014, o PNE elenca metas até 2024.

Haddad e Ciro querem revogar o teto de gastos públicos, medida aprovada pelo Temer.

Bolsonaro e Alckmin afirmam que o montante investido atualmente é suficiente, sendo necessário uma melhor gestão. Ambos destacam o foco de gastos na educação básica. O tucano defendeu, em nota, que novos recursos viriam de cortes de despesas excessivas nas ações do MEC.

Apesar de o Brasil ter alcançado o nível de investimen­to registrado por países ricos (5,5% do PIB), o gasto por aluno no país ainda é 40% do praticado nesses lugares, além de haver fortes desigualda­des.

Todos os principais concorrent­es defendem maior integração da União com estados e municípios. Para o professor Luís Carlos de Menezes, da USP, “as propostas são muito vagas”, e não explicam “como fazer”. “É preciso não só distribuir as responsabi­lidades, mas também os recursos”, diz.

Haddad, Ciro e Alckmin citam como uma das principais ações a revisão do Fundeb. O fundo distribui recursos para as redes e a vigência do modelo atual vence em 2020.

 ??  ??
 ?? Rafael Hupsel - 16.ago.18/Folhapress ?? Alunos de escola municipal de Monteiro Lobato, no interior paulista
Rafael Hupsel - 16.ago.18/Folhapress Alunos de escola municipal de Monteiro Lobato, no interior paulista

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil