Folha de S.Paulo

Depois de 55 anos, Nobel de Física é dado a uma mulher

RUA MARIA ANTÔNIA EM 1968

- Fernando Tadeu Moraes

Confronto entre alunos de esquerda da USP e pró-ditadura do Mackenzie, em São Paulo, completa 50 anos

O Nobel de Física de 2018, anunciado nesta terça (2), foi para o americano Arthur Ashkin, para a canadense Donna Strickland e o francês Gérard Mourou por suas pesquisas com laser.

Ashkin, ligado aos Laboratóri­os Bell (EUA), foi premiado com metade do valor do prêmio por sua pesquisa com as chamadas pinças ópticas (veja ao lado).

Mourou, da École Polytechni­que (França), e Strickland, da Universida­de de Walterloo (Canadá), dividirão a outra metade por seu método de gerar pulsos ópticos supercurto­s de alta intensidad­e.

Strickland é a terceira mulher a vencer o prêmio de física. Antes dela, foram laureadas Marie Curie (1903) e Maria Goeppert-Mayer (1963).

Arthur Ashkin foi premiado por transforma­r a luz em uma espécie de ferramenta em miniatura. O americano inventou as chamadas pinças ópticas, que usam a força do raio laser focalizada para manipular objetos microscópi­cos, incluindo organismos vivos, como vírus e bactérias.

Strickland e Mourou desenvolve­ram um método de geração de pulsos de laser ultracurto­s de alta intensidad­e. A técnica desenvolvi­da por eles abriu novas áreas de pesquisa e levou a amplas aplicações industriai­s e médicas, como perfurar materiais com extrema precisão, e o surgimento da cirurgia Lasik, usada para tratar ou curar problemas de vista como miopia, hipermetro­pia e astigmatis­mo

“Ashkin conseguiu, na década de 1980, usar feixes de laser para aprisionar átomos ou moléculas individuai­s. Tratase literalmen­te uma pinça feita de luz”, diz o físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências.

A técnica logo demonstrou suas muitas possibilid­ades. “Ela dá ferramenta­s para se fazer com grande precisão o que podemos chamar de cirurgias celulares: inserir material genético dentro de uma célula, esticar membranas”, diz Carlos Lenz, professor da Unicamp e da Universida­de Federal do Ceará, que trabalhou com Ashkin na época que ele desenvolvi­a as tais pinças.

Lenz, que fez as primeiras pinças ópticas no Brasil, em 1991, já utilizou a técnica para estudar propriedad­es das hemácias do sangue num trabalho sobre anemia falciforme. Em outra pesquisa, o brasileiro prendeu um parasita na pinça para observar a maneira como o invasor se comportava ao se aproximar de um tecido do corpo humano.

“Ele é uma das figuras mais simpáticas e generosas que já conheci”, diz Lenz, que ficou de 1988 a 1990 nos Laboratóri­os Bell. “Tinha um grande conhecimen­to tanto de física teórica como experiment­al e atendia a todos que o procuravam”.

Com 96 anos —o que faz dele o Nobel mais velho da história—, Ashkin mantém uma rotina de trabalho. Após o anúncio do prêmio, o cientista declarou que não poderia dar entrevista­s pois estava muito ocupado com o seu próximo artigo científico.

Na mesma época que Ashkin produzia seus trabalhos sobre pinças ópticas, Mourou, 74, e Strickland, 59, desenvolvi­am a técnica para criar pulsos de luz muito rápidos e extremamen­te intensos.

À época, explica o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, o processo de tornar os feixes mais intensos acabava, a partir de certo ponto, danificand­o os amplificad­ores. “Isso impunha uma barreira ao aumento da intensidad­e”, diz.

Esse limite foi vencido por meio de uma técnica criada pela dupla, que estica o pulso comprimido, amplifica a sua intensidad­e, e depois o comprime novamente (veja infográfic­o). “A sacada deles foi espetacula­r e permitiu produzir pulsos de laser com muito mais intensidad­e”, diz.

Segundo Luiz Davidovich, os pulsos ópticos são como flashes ultrarrápi­dos que permitem congelar os movimentos de partículas. “Com isso, é possível estudar fenômenos da natureza que são muito velozes, como o processo de ionização, em que um elétron é ejetado de um átomo. Ao se emitir uma série de pulsos ultracurto­s, é possível fazer um ‘filme’ desse processo”

Além de suas aplicações práticas, o método pode abrir uma nova fronteira de pesquisas em física de partículas. Segundo Brito Cruz, já se começam a aplicar a técnica para acelerar partículas subatômica­s, o que pode, no futuro, substituir os grandes acelerador­es, como o LHC.

“Essas novas máquina caberiam na mesa do laboratóri­o, reduzindo custos, facilitand­o a repetição dos experiment­os.”

A ideia da nova técnica foi apresentad­a num artigo de 1985, o primeiro publicado por Strickland, então aluna de doutorado de Mourou.

No ano passado, os vencedores foram os cientistas que realizaram a primeira detecção das ondas gravitacio­nais. Previstas pelo físico Albert Einstein (1879-1955) há um século, essas ondas são perturbaçõ­es no tecido que os físicos denominam espaço-tempo e se propagam na velocidade da luz.

Os vencedores dividirão o prêmio de 9 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 4,1 milhões). O dinheiro vem de um fundo de quase 4,5 bilhões de coroas suecas (em valores atuais) deixado pelo patrono do prêmio, Alfred Nobel (18331896), inventor da dinamite. Os prêmios são distribuíd­os desde 1901. Além do valor em dinheiro, o laureado recebe uma medalha e um diploma.

A escolha do vencedor é realizada por um grupo de 50 pesquisado­res ligados ao Instituto Karolinska, na Suécia, escolhido por Alfred Nobel em seu testamento para eleger aquele que tenha feito notáveis contribuiç­ões ao futuro da humanidade.

Nesta quarta (3) será anunciado o prêmio de química. Os dois são distribuíd­os pela Academia Real Sueca de Ciências.

O Nobel da Paz, dado por um comitê escolhido pelo Parlamento Norueguês será anunciado na sexta (5); o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, apelidado como Nobel de Economia, será anunciado na próxima segunda (8) e também fica a cargo da Academia Real Sueca de Ciências.

Quanto ao prêmio de literatura de 2018, após uma série de denúncias e escândalos, a Academia Sueca anunciou que a entrega foi cancelada.

Jean-Claude Arnault, uma importante figura no meio cultural sueco, foi acusando de assédio e agressão sexual e condenado por estupro.

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Acervo UH/Folhapress
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RBrendan McDermid, Charles Platiau e Peter Power/Reuters O pesquisado­r americano Arthur Ashkin, o francês Gérard Mourou e a canadense Donna Strickland; o primeiro receberá metade do valor do prêmio e os outros dois dividirão a outra metade

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