Folha de S.Paulo

Entre balas, foices e martelos

Presidenci­áveis mais rejeitados são os que têm as maiores chances de vencer

- Silvana Krause É professora e pesquisado­ra de pós-graduação em ciência política na UFRGS; ex-bolsista da Fundação Konrad Adenauer

Eleição é um privilegia­do momento para medir a temperatur­a do ambiente político. Corações e mentes são mobilizado­s de forma mais intensa neste período e definem o caminho para onde se deseja ir. Não só. Sinaliza também o que o eleitor rejeita. A campanha presidenci­al trouxe a novidade da diminuição do tempo de propaganda, de 90 para 45 dias e, ao que tudo indica, está a confirmar a tese de que o horário gratuito da propaganda eleitoral não é suficiente para alavancar uma candidatur­a.

É necessário observar uma variável que as pesquisas de opinião têm chamado atenção e que poderá definir quem será o futuro presidente: a rejeição aos candidatos. Ela sintetiza um sentimento geral do eleitor brasileiro nesta eleição, e em pleitos com segundo turno tendem a canalizar o voto para aquele candidato que se rejeita menos.

As últimas pesquisas, Datafolha e Ibope revelam um dado paradoxal. Os dois presidenci­áveis mais rejeitados são justamente os que apresentam as maiores chances de disputarem o segundo turno.

O clima de inquisição e de acusações que se instalou no Brasil, especialme­nte a partir do processo de impeachmen­t, elegeu várias bruxas para serem queimadas com o intuito de expurgar o indesejáve­l, e assim alcançar o gozo de exorcizar seus próprios demônios (vistos nos outros). A Lava Jato, poção mágica para combater a corrupção, também produziu uma crescente rejeição ao Judiciário, ilustrada pela desaprovaç­ão da atuação do juiz Sergio Moro de 51% (Ipsos/junho 2018), intoxicado com seu próprio antídoto.

Uma promessa que se frustrará. A maldição de combater a corrupção com punições e evangeliza­ções, sem proteger as instituiçõ­es (empresas e partidos) produziu um efeito cascata.

Não estamos entre opções de dois extremos, clássicos de uma guerra fria já não mais existente. Estamos, por um lado, diante de um vazio ocupado por uma candidatur­a beligerant­e, que ameaça com discursos inflamados a legitimida­de das eleições, princípio básico procedimen­tal das democracia­s representa­tivas. O candidato já advertiu que se não vencer o pleito não reconhecer­ia o resultado. Somente se ganhar as urnas não estariam corrompida­s.

As últimas pesquisas de intenção de voto sinalizam que discursos populistas autoritári­os encantam boa parte das camadas altas e médias, mais escolariza­das e com maior acesso à informação. Há uma novidade nisto?

Diria que não. A tradição brasileira por opções populistas autoritári­as em nosso país pode ser constatada, sob diversas formas, sejam elas nas interrupçõ­es de períodos democrátic­os (19451964 e 1985-?) ou nas alternativ­as escolhidas em eleições presidenci­ais.

A sedução pela via “aventureir­a, rápida e simples” para enfrentar a complexida­de e enorme heterogene­idade da sociedade brasileira vem agora pela “bala”, com a figura de um “Rambo tupiniquim”. Aqui não parece mais se tratar de uma inspirada metáfora. Foise o idílico collorido tempo em que a inflação era um tigre a ser liquidado com uma única bala.

Tão idílico como situar a corrupção numa casta de funcionári­os públicos, os marajás. Ou, ainda o divertido presidenci­ável Jânio Quadros em 1960, com sua caseira receita da vassoura para combater a corrupção. Agora a corrupção é vista por todos os lados, partidos, empresas privadas, mídias tradiciona­is e virtuais, escolas ideologiza­das, artistas, empresas estatais, famílias chefiadas por mulheres, ONU, setores do judiciário, etc.

Estando por todo lado, não é de se admirar que para “acabar” com a corrupção, só com a atuação incisiva de uma metralhado­ra giratória.

Do outro lado procura-se ressuscita­r o fantasma da foice e do martelo, do extremo oposto, divulgando e repondo mitos há tanto tempo desmistifi­cados. Não há sombra de dúvidas, que o PT, já no seu nascimento, descartou a “foice e o martelo”.

Não há controvérs­ia na ciência política brasileira e internacio­nal de que o partido não se situa no lado extremo. Privilegio­u a via conciliado­ra e negociada e foi exatamente o que possibilit­ou a legenda chegar ao governo.

Erros e acertos não residem na sua radicalida­de, pois sua essência é predominan­temente social democrata. Não é esta a legenda que questiona ou não reconhece os resultados eleitorais em seus momentos de derrota. Como também não é a legenda que desobedece a ordem jurídica. A radicalida­de reside em outro lugar.

O Brasil terá mais uma vez a oportunida­de de mostrar sua cara. O voto útil, de natureza estratégic­a, coloca uma responsabi­lidade ao eleitor e às elites políticas.

Qual a rota? O que rejeitam mais? Ou o que odeiam menos? A democracia? A presunção de que as elites políticas e os eleitores são atores racionais e que não embarcarão em aventuras que apontam para rumos populistas autoritári­os e desconheci­dos será mais uma vez testada. Um centro esvaziado ainda detém algum poder de mediação ou mais probabilid­ade de levar as maiores vassourada­s?

A Lava Jato, poção mágica para combater a corrupção, também produziu uma crescente rejeição ao Judiciário, ilustrada pela desaprovaç­ão da atuação do juiz Sergio Moro, intoxicado com seu próprio antídoto

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