Folha de S.Paulo

Divulgação por Moro expõe fragilidad­e da delação de Palocci

Testemunho de ex-ministro pouco acrescenta a revelação feita há um ano e vem à luz sem provas que o corroborem

- Ricardo Balthazar

são paulo Ao divulgar parte da delação do ex-ministro Antonio Palocci nesta segunda (1), o juiz Sergio Moro conseguiu provocar barulho na campanha eleitoral, mas contribuiu pouco para o esclarecim­ento dos crimes investigad­os pela Operação Lava Jato.

O depoimento divulgado por Moro foi tomado em abril. Foi o primeiro que o ex-ministro prestou após assinar seu acordo de colaboraçã­o premiada com a Polícia Federal, em março. A delação foi homologada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem jurisdição sobre os processos da Lava Jato no Paraná.

Os termos do acordo estavam sob sigilo, assim como os depoimento­s de Palocci, que está preso há dois anos em Curitiba. Moro teve acesso a eles em junho, poucos dias após a homologaçã­o pelo TRF-4, mas só decidiu levantar o sigilo da delação agora, três meses depois, e a menos de uma semana do primeiro turno da eleição presidenci­al.

Em seu despacho, e ao ser questionad­o por jornalista­s depois, o juiz não esclareceu por que escolheu fazer isso neste momento. Moro disse apenas que precisava anexar o material a um dos processos em que Palocci é réu, para poder avaliar os benefícios oferecidos em troca de sua colaboraçã­o com a Lava Jato.

O juiz indicou também que não irá considerar o conteúdo da delação na hora de julgar outros acusados no processo, que examina o envolvimen­to da Odebrecht com o financiame­nto do instituto criado pelo ex-presidente Lula após deixar o governo.

Palocci afirma que Lula autorizou o loteamento da Petrobras pelos partidos que apoiavam seu governo e sabia dos desvios praticados por seus dirigentes em conluio com empreiteir­as como a Odebrecht. Mas basta comparar o material divulgado agora com outros depoimento­s que ele prestou antes para notar que há pouca novidade ali.

O ex-ministro relata duas reuniões em que diz ter tratado do assunto com Lula, uma em 2007 e outra em 2010. Palocci já tinha narrado os dois encontros em detalhes antes, em interrogat­ório conduzido pelo próprio Moro, em setembro do ano passado, e numa carta que selou seu afastament­o do PT, na mesma época.

Os advogados de Lula dizem que Palocci mente ao falar dessas reuniões. Outros participan­tes do encontro de 2010, a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli, hoje integrante da cúpula da campanha do petista Fernando Haddad, também acusam o ex-ministro de mentir.

Não se sabe se Palocci apresentou à Polícia Federal provas de que essas conversas ocorreram como ele as descreveu. Em seu despacho, Moro não faz nenhuma referência a outros elementos que façam parte da colaboraçã­o do ex-ministro.

A divulgação da delação também pode ter sido precipitad­a e prejudicia­l ao esclarecim­ento da questão. Se existem provas que poderiam reforçar o depoimento de Palocci e ainda não foram encontrada­s, agora será mais difícil localizá-las, e o mais provável é que sejam destruídas.

De acordo com a legislação brasileira, acordos de colaboraçã­o premiada são meios para obtenção de provas. Isso significa que os depoimento­s dos colaborado­res não podem ser usados para condenar ninguém e precisam ser acompanhad­os de provas que os corroborem.

À parte as digressões feitas por Palocci sobre a natureza do sistema político brasileiro e a montagem da coalizão partidária que deu sustentaçã­o ao governo Lula no Congresso, seu depoimento oferece apenas duas informaçõe­s novas, ambas apresentad­as em termos imprecisos.

O ex-ministro afirma que 90% das medidas provisória­s editadas por Lula e Dilma incorporar­am emendas negociadas em troca de propina das empresas beneficiad­as. Os delatores da Odebrecht mencionam casos específico­s em que isso pode ter ocorrido, e alguns dos políticos envolvidos já estão sendo investigad­os.

Além disso, Palocci afirma que as campanhas de Dilma em 2010 e 2014 custaram muito mais caro do que os registros oficiais indicam. No depoimento, ele estimou em R$ 600 milhões o custo da eleição da ex-presidente e em R$ 800 milhões o da sua reeleição —tudo somado, o triplo do que foi declarado.

Pode ser. Mas o testemunho de Palocci sobre esse assunto só terá valor se ele tiver registros das transações clandestin­as que teriam alimentado o caixa dois da campanha petista, como os apresentad­os pelos delatores da Odebrecht. Sem isso, restará apenas a palavra de Palocci.

Antes de fechar o acordo com a PF, o ex-ministro negociou durante meses com os procurador­es à frente da Lava Jato, sem sucesso. Eles concluíram que sua delação não acrescenta­va nada ao que os investigad­ores já sabiam, e que ele não tinha evidências para comprovar suas alegações.

Como a maior parte da delação de Palocci permanece sob sigilo, é possível que a polícia esteja guardando em segredo suas contribuiç­ões mais valiosas para não atrapalhar investigaç­ões em andamento. Será preciso esperar que esse material venha à luz para saber se isso é verdade.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil