Folha de S.Paulo

Cidade argentina usa brecha para ampliar acesso ao aborto

- Sylvia Colombo

Apesar da rejeição, pelo Senado, em agosto, do projeto de lei que permitia o aborto, sem limitações, até a 14ª semana de gestação, que causou grande mobilizaçã­o e divisão na sociedade argentina, o assunto não morreu.

As ativistas “verdes”, que adotaram lenços dessa cor, contra as “celestes” que defendiam a proibição da legislação, seguem engajadas.

No âmbito dos grupos feministas e dos legislador­es a favor, nova redação do projeto vem sendo preparada para ser apresentad­a no próximo ano parlamenta­r, que se inaugura em março de 2019 —antes disso, não se pode voltar a apresentar a proposta. Já as “celestes” têm organizado reuniões com grupos católicos para aumentar suas fileiras.

Nesse contexto, tem chamado a atenção um exemplo que vem de Rosario, na província de Santa Fe, uma das únicas da Argentina onde o Partido Socialista tem uma tradição muito enraizada e geralmente vence as forças tradiciona­is (peronismo, UCR, Mudemos). Atualmente, seu governador é do Partido Socialista, Miguel Lifschitz.

Desde 2012, hospitais da rede pública de Rosario têm usado uma brecha na lei de aborto, que diz que ele é permitido em casos de estupro e de risco à saúde da mãe, o que inclui risco de morte, mas também risco de problemas psicológic­os severos.

“Desde 2012 não há mortes maternas por abortos em Rosario”, diz o secretário de saúde da cidade, Leonardo Caruana. A experiênci­a tem sido tão exitosa que, quando os defensores do aborto dentro do Mudemos, aliança governista, colocaram em pauta a ideia de voltar a debater o aborto ainda antes do novo ano parlamenta­r, ou seja, já na discussão do novo Código Penal, a ideia era usar a experiênci­a de Rosario para deixar mais clara essa interpreta­ção.

“Eu tinha 19 anos e sabia que não teria o apoio de meus pais nem dinheiro. Fui a um hospital público pensando que iam me mandar embora dali, mas fui muito bem atendida por psicólogos. Como ainda estava na sétima semana, tivemos tempo de conversar muito e eles tentaram outros métodos antes, mas ainda assim eu mantive minha decisão”, diz Ana Reyes, que realizou o procedimen­to sob essa justificat­iva em 2015. Foi usado o abortivo misoprosto­l.

Outro país em que essa interpreta­ção tem sido usada em parte dos hospitais da rede pública, já tendo causado jurisprudê­ncia, é a Colômbia. Ali, o aborto também só é permitido em casos de estupro, má formação do feto e riscos à saúde da mãe (risco de morte ou risco psicológic­o).

No país andino, o primeiro caso foi em 2007, com a menina Gisela (nome fictício), de então 16 anos. E foi levado às cortes pelos pais desta, que queriam aceder à lei alegando que a filha sofreria um trauma psicológic­o enorme.

Hoje, segundo dados oficiais, houve inclusão de abortos que antes seriam clandestin­os nas cifras oficiais, ou seja, feitos dentro da lei, embora não exista estatístic­a precisa.

Segundo a Profamilia, órgão estatal que cuida do assunto, em 2017 houve 10.517 abortos dentro da legalidade, ante 400 mil procedimen­tos clandestin­os. O órgão, porém, esclarece que as cifras de internaçõe­s por complicaçõ­es causadas por abortos clandestin­os caíram em cerca de 15%.

O problema, no caso colombiano, équ eoa cesso ao recursoé mais fácil nas grandes cidades, onde os juízes são mais abertos a interpreta­ra lei desse modo, e os hospitais também, para realizar os procedimen­tos.Principalm­ente no in- terior da Colômbia, país conservado rede maioria católica, há localidade­s queresiste­mà interpreta­ção.

Uma pesquisa de 2017, realizada apedido do ministério da saúde, mostrou que 65% dos colombiano­s seriam favoráveis à lei de aborto, que a gestão de Juan Manuel Santos (2010-2018) queria impulsiona­r. O novo presidente, o direitista Iván Duque, é mais resistente à ideia, embora não tenha descartado levar o assunto a debate parlamenta­r.

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