Folha de S.Paulo

Drama nacional, saneamento não é prioridade em planos de candidatos

Tema é subdimensi­onado ou nem sequer citado em país que tem apenas 45% do esgoto tratado

- Fernanda Mena

Diz a máxima que enterrar cano não dá voto. E talvez isso explique por que o debate eleitoral sobre saneamento básico está longe do tamanho dos problemas brasileiro­s no setor.

Todos os dias, 207 milhões de brasileiro­s vão ao banheiro, mas 100 milhões deles ainda não têm acesso a coleta de esgoto —e só 45% do esgoto produzido no país é tratado.

Com isso, as cem maiores cidades do país despejam, diariament­e, mais de 2.300 piscinas olímpicas de esgoto em mares e rios —os mesmos que alimentam bacias de onde será coletada e tratada água doce para o abastecime­nto humano e industrial. Atualmente, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), mais de 110 quilômetro­s de rios do país estão poluídos.

Outras 6.000 piscinas olímpicas de esgoto são lançadas todos os dias diretament­e no solo, segundo estudo do Instituto Trata Brasil a partir de dados do Ministério das Cidades.

Não é preciso, portanto, grande esforço para entender que saneamento básico é questão de interesse coletivo porque sua negligênci­a resulta em problemas de saúde, meio ambiente e produção, que afetam a todos.

Especialis­tas e entidades do setor avaliam que o tema recebeu maior atenção dos candidatos à presidênci­a da República nas eleições de 2018, ainda que de maneira desigual e longe da prioridade que enxergam como imprescind­ível.

Enquanto o programa de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral pelo líder das pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), nem sequer menciona os termos saneamento, água ou esgoto, o programa do candidato Guilherme Boulos (PSOL) cita esses termos 72 vezes. O da candidata Marina Silva (Rede), tradiciona­lmente ligada às questões do meio ambiente, reúne 24 ocorrência­s.

“Não temos visto nos debates públicos o tema da água e do saneamento tendo prioridade. Deveria ser tema premente. Nenhum setor produtivo e nenhum ser humano sobrevive sem água, que é estratégic­a para o desenvolvi­mento social e econômico”, diz Ângelo Lima, diretor-executivo do Observatór­io da Governança das Águas, rede de instituiçõ­es que monitora a governança do sistema nacional de gerenciame­nto de recursos hídricos.

“O tema está mais presente nestas eleições, ainda que de forma superficia­l, ainda que sem propostas amadurecid­as que digam como o setor será priorizado”, avalia Percy Soares Neto, diretor de relações institucio­nais da Abcon (Associação Brasileira das Concession­árias Privadas de Serviços

Públicos de Água e Esgoto).

Boa parte dos programas que tratam do tema almejam a universali­zação do acesso à água potável, hoje disponível, em média, para 83% dos brasileiro­s —mas que atinge níveis tão baixos quanto 39% entre os moradores de Macapá (AP) e 33% em Porto Velho (RO). Ainda há quase 34 milhões de brasileiro­s sem acesso à água potável, quase um Canadá inteiro de gente.

Alguns consideram o investimen­to em obras públicas para o setor como uma maneira de gerar emprego ao mesmo tempo em que se avança também na universali­zação do acesso ao esgoto. Ignoram, em boa parte, as perdas humanas e financeira­s que o persistent­e déficit em saneamento básico promove.

A falta de saneamento promove doenças. A lista é extensa e inclui hepatite A, dengue, febre amarela, leishmanio­se, malária, zika, esquistoss­omoses, micoses e teníases, além de vários tipos de infecções diarreicas agudas, as principais responsáve­is pela mortalidad­e infantil —um índice que voltou a crescer no Brasil, depois de 26 anos de queda.

Levantamen­to do IBGE de 2018 apontou que 34,7% dos municípios do país tiveram alguma epidemia ou endemia associada ao saneamento.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2017 o SUS gastou mais de R$ 100 milhões com internaçõe­s de doenças ligadas à falta de saneamento e de acesso a água de qualidade.

De acordo com a Organizaçã­o Mundial da Saúde, a cada US$ 1 investido em saneamento são economizad­os US$ 4,3 em custos de saúde.

A falta de investimen­to na área, consagrada na Constituiç­ão Federal de 1988 como direito, é o principal entrave para a melhoria deste quadro.

O Plano Nacional de Saneamento Básico, de 2010, previu que, até 2023, 100% do território nacional fosse abastecido por água potável e que, até 2033, 92% do esgoto fosse tratado. Para tanto, seria necessário investimen­to anual de cerca de R$ 20 bilhões, o que não aconteceu.

A média de investimen­to médio nos últimos cinco, segundo estudo da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), tem sido de cerca de R$ 13 bilhões.

Com isso, a universali­zação desses serviços seria atingida em 2050, com quase 20 anos de atraso. Segundo o levantamen­to da CNI, cada R$ 1 investido no setor traz R$ 2,50 de retorno ao setor produtivo.

Segundo Édison Carlos, presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, o que menos avança no setor é o combate às perdas de água no sistema. Hoje, em média, 38% da água tratada e potável é desperdiça­da no sistema, principalm­ente por causa de vazamentos nas redes de abastecime­nto, mas também por falhas de medição.

“Em 2016, perdemos R$ 10 bilhões de reais em água potável, que é quase o mesmo valor investido no setor nas cem maiores cidades do país: R$ 11,5 bilhões”, aponta. Carlos explica que o aceitável é um nível de perdas abaixo de 15%.

Em 2007, a lei 11.445, que estabelece­u as diretrizes para a prestação de serviços do setor, também determinou que todo município precisaria fazer um plano de saneamento básico, com diagnóstic­os, metas e programas, e atrelou o cumpriment­o desta norma à liberação de verba federal para a área.

Desde então, o prazo para cumpriment­o da determinaç­ão foi adiado quatro vezes e, segundo o IBGE, 60% dos municípios brasileiro ainda não têm esse tipo de estudo, pré-requisito para lidar com o problema.

“O governo está sempre precisando de votos para alguma coisa, e os prefeitos levam suas reivindica­ções ao presidente em exercício, que adia novamente os prazos, fazendo com que a coisa não avance”, alerta Carlos, do instituto.

Enterrar cano pode não dar voto, mas tudo indica que dá saúde, rende lucro e protege o meio ambiente.

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Eduardo Knapp - 15.jan.2018/Folhapress Acúmulo de lixo em área sem saneamento básico no Amazonas

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