Chanel subverte o próprio estilo com farofa no Grand Palais
Grife encerra semana de moda de Paris com chapéus de palha e rasteirinhas
Uma é uma das maisons mais tradicionais do mundo; a outra, porta-voz da imagem feminina adocicada. Nem uma nem outra, porém, seguiram as próprias regras nesta terça-feira (2), no dia derradeiro da temporada verão 2019 da semana de Paris.
Tanto a Chanel quanto a Miu Miu subverteram o tipo de moda que costumam apresentar e criaram, cada uma à sua maneira, discursos de escape para mulheres que só querem uma roupa bonita para usar sobre a areia, caso da primeira, ou sob a lua, como Miuccia Prada fez em sua segunda marca.
O Grand Palais amanheceu lotado de banhistas fashion na praia montada pela Chanel, com direito a ondas, palhoça e areia branca cujos grãos empanaram as madames e os monsieurs sentados em bancos de madeira envelhecida.
Reprodução de Sylt, parte nobre das Ilhas Frísias alemãs, o espaço foi preenchido por uma gigantesca tela de céu azul para servir de cenário para a desconstrução en- solarada que o estilista alemão Karl Lagerfeld fez dos códigos clássicos da etiqueta.
O tweed dos tailleurs virou base para minissaias e blusões de mangas folgadas; as correntes das bolsas acolchoadas viraram alças de vestidos atoalhados e os paetês bordados desenharam losangos em vestidinhos com franjas.
Em uma das coleções mais completas e comerciais de sua história, cortada a partir de um estudo vasto dos arquivos da Chanel, Lagerfeld criou o que a moda chama de peças-desejo, produtos criativos com alto potencial de venda.
Uma bolsa em formato de bola, dessas bicolores que as crianças jogam na praia, chapéus de palha arrematados com laço preto e sandálias rasteiras com o nome da marca estampado.
Com mão afiada para costurar a iconografia pop à alta-costura, Lagerfeld forra vestidinhos curtos e conjuntos intercambiáveis com desenhos de guarda-sóis vermelho e branco, imagens símbolo desta coleção de verão 2019 e tão vendáveis quanto os astronautas da temporada de inverno 2018.
Menos pop e mais concentrada em estudar o guardaroupa de noite das garotas festeiras, a grife Miu Miu preteriu os tons de sorvete e os vestidinhos bordados de boneca que fizeram sua fama para cortar saias de cobra, blazers sóbrios sobrepostos a blusas de alfaiataria e vários shorts curtos.
Miuccia Prada imagina uma jovem que descobriu o sexo, anda amarrotada e com as alças e golas caídas sobre os ombros. Ela ainda está com suas tiaras de rainha da noite, com os vestidos e as blusas de lantejoulas brilhando, mas caminha decomposta com as saias transparentes e as aberturas das peças nas costas, como se tivesse, na pressa de voltar para casa, recolocado as roupas ao avesso.
As joias estão nos lugares errados, jogadas nos pulsos, nos ombros, estranhamente posicionadas pelo corpo. A noite foi longa, mas feliz, embalada por versões em piano de músicas do cantor Prince. Algo fetichista, a coleção ainda usa couro como base de trench coats e conjuntos de duas peças.
Assim, Miuccia Prada pinta um mundo de erotismo ambíguo, jogando com cortes e estruturas detonadas para traduzir a linha entre o permitido e o conquistado à força, do que é doce mas também pode oprimir.