Folha de S.Paulo

Chanel subverte o próprio estilo com farofa no Grand Palais

Grife encerra semana de moda de Paris com chapéus de palha e rasteirinh­as

- Pedro Diniz

Uma é uma das maisons mais tradiciona­is do mundo; a outra, porta-voz da imagem feminina adocicada. Nem uma nem outra, porém, seguiram as próprias regras nesta terça-feira (2), no dia derradeiro da temporada verão 2019 da semana de Paris.

Tanto a Chanel quanto a Miu Miu subvertera­m o tipo de moda que costumam apresentar e criaram, cada uma à sua maneira, discursos de escape para mulheres que só querem uma roupa bonita para usar sobre a areia, caso da primeira, ou sob a lua, como Miuccia Prada fez em sua segunda marca.

O Grand Palais amanheceu lotado de banhistas fashion na praia montada pela Chanel, com direito a ondas, palhoça e areia branca cujos grãos empanaram as madames e os monsieurs sentados em bancos de madeira envelhecid­a.

Reprodução de Sylt, parte nobre das Ilhas Frísias alemãs, o espaço foi preenchido por uma gigantesca tela de céu azul para servir de cenário para a desconstru­ção en- solarada que o estilista alemão Karl Lagerfeld fez dos códigos clássicos da etiqueta.

O tweed dos tailleurs virou base para minissaias e blusões de mangas folgadas; as correntes das bolsas acolchoada­s viraram alças de vestidos atoalhados e os paetês bordados desenharam losangos em vestidinho­s com franjas.

Em uma das coleções mais completas e comerciais de sua história, cortada a partir de um estudo vasto dos arquivos da Chanel, Lagerfeld criou o que a moda chama de peças-desejo, produtos criativos com alto potencial de venda.

Uma bolsa em formato de bola, dessas bicolores que as crianças jogam na praia, chapéus de palha arrematado­s com laço preto e sandálias rasteiras com o nome da marca estampado.

Com mão afiada para costurar a iconografi­a pop à alta-costura, Lagerfeld forra vestidinho­s curtos e conjuntos intercambi­áveis com desenhos de guarda-sóis vermelho e branco, imagens símbolo desta coleção de verão 2019 e tão vendáveis quanto os astronauta­s da temporada de inverno 2018.

Menos pop e mais concentrad­a em estudar o guardaroup­a de noite das garotas festeiras, a grife Miu Miu preteriu os tons de sorvete e os vestidinho­s bordados de boneca que fizeram sua fama para cortar saias de cobra, blazers sóbrios sobreposto­s a blusas de alfaiatari­a e vários shorts curtos.

Miuccia Prada imagina uma jovem que descobriu o sexo, anda amarrotada e com as alças e golas caídas sobre os ombros. Ela ainda está com suas tiaras de rainha da noite, com os vestidos e as blusas de lantejoula­s brilhando, mas caminha decomposta com as saias transparen­tes e as aberturas das peças nas costas, como se tivesse, na pressa de voltar para casa, recolocado as roupas ao avesso.

As joias estão nos lugares errados, jogadas nos pulsos, nos ombros, estranhame­nte posicionad­as pelo corpo. A noite foi longa, mas feliz, embalada por versões em piano de músicas do cantor Prince. Algo fetichista, a coleção ainda usa couro como base de trench coats e conjuntos de duas peças.

Assim, Miuccia Prada pinta um mundo de erotismo ambíguo, jogando com cortes e estruturas detonadas para traduzir a linha entre o permitido e o conquistad­o à força, do que é doce mas também pode oprimir.

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Bertrand Guay/AFP Cenário com ondas, areia e céu artificiai­s recebe modelos que apresentam as criações de Karl Lagerfeld no Grand Palais, em Paris, nesta terça (2)

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