Folha de S.Paulo

Para o mercado, o ideal é Pinochet

Na defesa de Bolsonaro, quem entende de economia e matemática perde a razão

- Marcelo Coelho Membro do Conselho Editorial da Folha, autor dos romances ‘Jantando com Melvin’ e ‘Noturno’. É mestre em sociologia pela USP

Dizem, com justiça, que a esquerda não entende de matemática. De minha parte, vou além: não entende nem quer entender —e isso é terrível hoje em dia.

O problema é que a direita, por sua vez, entende pouco de política. Lembro bem da campanha de Fernando Collor para a Presidênci­a, em 1989. A agenda do PT, naquela época, era bem mais radical.

O medo das desapropri­ações de terra, dos aumentos salariais, da estatizaçã­o, do fechamento ao mercado externo levou a que se instalasse no poder um candidato que prometia “não mexer na poupança” e “modernizar” o país no rumo de uma autêntica economia liberal de mercado.

A direita confiou no candidato, sem querer reparar no que ele tinha de populista, de farsesco e de inconfiáve­l.

O resultado, do ponto de vista econômico (nem digo do político) foi um desastre. Uma equipe inexperien­te, bisonha e aventureir­a sequestrou o dinheiro de todo mundo. Abriu depois sem nenhum critério as “torneiras” do crédito, fez o PIB cair 4% naquele ano —em 1991, a inflação chegou a 481%.

Isso não prova que, se Lula tivesse sido eleito em 89, a situação seria melhor. Mas indica como pode ser baixa a confiabili­dade de um populista inexperien­te, ainda que seu discurso caia no gosto do mercado.

Nada representa­va mais a direita antipetist­a, no ano 2000, do que Paulo Maluf. Sua passagem pela Prefeitura de São Paulo, de 1993 a 1996, e a de seu afilhado, Celso Pitta, nos anos seguintes, deixaram as finanças municipais em pandarecos.

Deu-se a vitória da então petista Marta Suplicy —que, com administra­dores pouco esquerdist­as, como João Sayad, pôs ordem na bagunça.

Os tempos eram outros, sem dúvida. Os escândalos de corrupção no governo Lula e o desastre econômico do governo Dilma destruíram a credibilid­ade do petismo e alimentara­m o ódio que hoje dá votos a Bolsonaro.

Surge, então, um verdadeiro nó dentro das cabeças matemática­s dos economista­s e dos adeptos da responsabi­lidade fiscal.

Vou ver se explico. Há candidatos de todas as tendências nesta eleição. Os defensores do mercado e da austeridad­e podem votar tranquilam­ente em Alckmin, Amoêdo ou Meirelles.

Tranquilam­ente? Não, claro que não. Todo mundo sabe que esses políticos não têm chance: a direita e as cabeças “responsáve­is” ficam com Bolsonaro.

Em nome da “responsabi­lidade fiscal”, e para evitar os riscos da catástrofe econômica que anteveem com uma vitória de Haddad, estão dispostas a tudo.

Todos sabem que Bolsonaro ataca frontalmen­te as minorias, defende torturador­es, está pouco ligando para direitos civis e liberdades democrátic­as.

Para os comentaris­tas “sérios” da área econômica fica feio, naturalmen­te, dizer que entre uma ditadura e o descontrol­e econômico, preferem a ditadura. Mas é isso mesmo.

Observo, entre parênteses, que o “mercado” sempre irá preferir uma ditadura. O candidato ideal do mercado será sempre Pinochet —que não teve problema nenhum em implantar a reforma previdenci­ária sonhada por todos os analistas.

Ao menos ele sabia o que estava fazendo; Bolsonaro e Mourão, nem isso.

Seja como for, não fica bem defender uma reforma previdenci­ária com mais ardor do que se defendem os direitos humanos, a liberdade de expressão e a ordem constituci­onal.

A saída é dizer que Bolsonaro não representa nenhum risco de golpe. Invoca-se o mantra de que “as instituiçõ­es estão sólidas”.

Estão? Os partidos explodiram; prova disso é que Bolsonaro mal tem um. O Congresso está totalmente desmoraliz­ado.

O STF está cindido. A Igreja Católica está desorienta­da e sem lideranças significat­ivas. As igrejas evangélica­s, em sua maioria, não ofereceria­m resistênci­a ao novo messias da direita.

Quanto à imprensa, abalada financeira­mente, e em geral simpática aos decretos do “mercado”, dificilmen­te saberá voltar aos tempos das Diretas-Já.

Não pode negar princípios como a democracia e a liberdade de expressão. Faz-se então a aposta arriscada: Bolsonaro não representa perigo.

Acrescenta-se o tempero: Haddad também é contra a democracia, o PT se equivale a Bolsonaro em desrespeit­o aos direitos humanos e às liberdades civis.

E quem disser “ele não” — uma bandeira multiparti­dária— é um radical fazendo o jogo do Haddad.

Eu, radical? Radicais são eles.

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André Stefanini

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