Folha de S.Paulo

A festa do dinheiro com Bolsonaro

Alegria no mercado é fato, mas em boa parte uma animação pelo mundo

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

É fato que o dinheiro fez festa para o salto de Jair Bolsonaro (PSL) na pesquisa de segunda-feira (1º).

Mas o motivo eleitoral parece apenas a espuma de uma onda de animação com países emergentes, notável desde meados de setembro.

Caso essa animação persista, terá impacto positivo mesmo na nossa paisagem com ruínas. No entanto, o cálculo das probabilid­ades ainda é uma pilhéria, tanto no que diz respeito a melhoras duradouras no panorama financeiro global quanto no doméstico, mesmo em caso de vitória da extrema-direita.

Os povos do mercado discutem se passou o pior das tormentas que abalaram os preços de ativos financeiro­s em países emergentes neste 2018.

As moedas, em particular, foram abaladas pela ameaça de guerra comercial, pelas crises turca e argentina, pela incerteza sobre a alta de juros nos EUA e por um ano política ou eleitoralm­ente agitado.

A resposta provisória parece ser “sim”, a coisa pode acalmar. Pelo menos, o pessoal aproveita para fazer compras de ações e de moedas na xepa.

O estresse baixou aqui também, embora o barco brasileiro ainda vá balançar na eleição. O dólar ficou mais barato, os juros reais de curto prazo recuaram, para os níveis ainda altos de agosto.

As taxas de longo prazo, porém, indicam desconfian­ça grande do que será o próximo governo e desanimam quem queira tocar negócios na economia real.

Mesmo que sobrevenha euforia financeira em caso de vitória de Bolsonaro, o efeito a princípio será pirotécnic­o.

Ânimo para valer, para expansão de negócios, contrataçõ­es de trabalhado­res e aberturas ou levantamen­to de capital, tudo vai depender de perspectiv­as sérias de reforma econômica, fiscal em particular. Há mais dificuldad­es. O Banco Central tende a chancelar a alta de juros, até o início do ano, por exemplo. Também não haverá investimen­to público e, tão cedo, privado em infraestru­tura, por exemplo. Exceto em caso de vitória retumbante de reformas, todo mundo vai tatear, esperar quem se aventure, antes de pensar em expansão mais firme.

O observador frio não faz ideia do que seriam os governos de Bolsonaro e de Fernando Haddad (PT).

Atrás da cortina liberal, a extrema-direita parece amalucada. Haddad esconde seu programa tanto do PT quanto do público em geral, se é que já sabe o que fazer além de dizer que é “moderado”.

No que deixa vazar, a campanha bolsonaris­ta tem ideias exóticas de talhar a dívida pública com privatizaç­ões imediatas e em massa (impossível ou besteira), de fazer revolução temerária nos impostos com um tributo ruim como a CPMF ou de baixar a carga tributária em tempo de ruína fiscal, entre outras enormidade­s, notadas mesmo por portavozes da finança mundial.

A conjunção de um presidente instável e ignaro com uma equipe econômica amalucada e escasso apoio político deu no desastre de Fernando Collor, 1990-1992.

Os tempos são outros, a crise é outra e talvez o collorismo possa servir de lição, embora o Brasil esteja repetindo erros faz quase 40 anos.

Decerto Bolsonaro vai aglutinand­o os maiores partidos “reais” do Congresso, as bancadas da bala, da Bíblia e, agora, do boi, o que tem relevância, mas não necessaria­mente se traduz em articulaçã­o eficiente com os partidos formais.

É um problema sério para qualquer governo, que terá de aprovar reformas duras como a da Previdênci­a e não terá um tostão para fazer graças ou adquirir aliados.

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