Folha de S.Paulo

A guerra de Donald Trump logo chegará ao Brasil

- Clóvis Rossi

Sempre se disse que qualquer negociação diplomátic­a digna de respeito deveria usar “stick and carrot”. Ou seja, brandir o porrete mas oferecer também uma cenoura para convencer o interlocut­or.

Donald Trump subverte também essa regra não escrita do sentido comum e da racionalid­ade.

Usa só o porrete nas negociaçõe­s comerciais, como o fez, entre tantos, com a China, com o Canadá e o México, com a União Europeia e vai fazê-lo com o Brasil em algum momento futuro.

É só reler o que ele disse a respeito do acordo com Canadá e México para transforma­r o Nafta em USCAM (o Acordo de Livre-Comércio das Américas virou Estados Unidos/Canadá/México, na sigla em inglês; é uma mudança ridícula, mas o que não é ridículo no que Trump se envolve?).

Trump disse o seguinte: “Sem tarifas [a imposição de tarifas extras], nós não estaríamos falando de um acordo. (...) Sem tarifas, nós não estaríamos aqui [falando do Nafta renomeado]”.

A frase seguinte foi exatamente sobre o Brasil, chamado de “um dos mais duros no mundo”, em termos, claro, de comércio internacio­nal.

Completou dizendo que não chamaria os responsáve­is brasileiro­s para dizer que estão tratando as companhias americanas e os próprios EUA injustamen­te.

Faria o que, então? Tarifas. Ponto.

Quando o fará é questão em aberto. Não certamente até a posse do novo presidente, em janeiro.

É bom, portanto, que as equipes dos candidatos que passarem ao segundo turno se preparem desde já para um choque de trens com Trump.

Avisa, por exemplo, John Ibbitson, colunista do canadense Globe&Mail, com a experiênci­a de quem acompanhou a escaramuça em torno do Nafta: “Todas as nações que fazem comércio vivem agora em um ambiente de medo.

Como Trump assumiu na segunda-feira (1º), os Estados Unidos estão usando tarifas, ou a ameaça de usá-las, para forçar outros países a fazer concessões aos interesses americanos. Foi o que os Estados Unidos fizeram com Canadá e México. É o que os Estados Unidos planejam para o resto do mundo”.

Completa com uma frase bem forte: “No comércio, os Estados Unidos se transforma­ram em bandido”.

Esse tipo de comportame­nto de valentão no saloon tende a prejudicar a parte mais fraca na negociação. É o que demonstra o novo acordo na América do Norte: Trump saiu-se bem, o Canadá recebeu leves escoriaçõe­s, mas o México, o mais fraco dos três, perdeu mais ou, na melhor das hipóteses, ganhou menos.

O Brasil estará preparado para entrar no saloon e sair de pé, se e quando Trump voltar sua metralhado­ra comercial giratória para o sul?

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