Folha de S.Paulo

Acenos de deputado a Israel dividem judeus

- Thais Bilenky

são paulo Os acenos de Jair Bolsonaro (PSL) a Israel atraíram parte do eleitorado judaico brasileiro, mas provocam reação contrária em setores progressis­tas da comunidade.

À medida que o capitão reformado conquistou apoios como o dos empresário­s Meyer Nigri e Fabio Wajngarten, movimentos contrários tomaram corpo. No último sábado (29), um grupo com mais de 50 judeus se juntou ao protesto no Largo da Batata, em São Paulo, com o mote #EleNão.

Portavam faixas com símbolos judaicos como a Estrela de David, lançavam dizeres alusivos ao ato e entoavam gritos de guerra como “Ô, Bolsonaro, vai se foder, eu sou judeu e não gosto de você”.

A estudante Amanda Hatzyrah, 25, articulado­ra da frente feminista judaica, disse que estavam lá para marcar posição. “Existe uma pecha de que a comunidade judaica apoia Bolsonaro, mas isso é uma falácia completa. A gente veio para fazer barulho e mostrar que não”, protestou. “Lutamos contra tudo o que ele representa.”

Em fevereiro, a revista piauí registrou que Meyer Nigri disse que mais de 90% da comunidade era simpática a Bolsonaro. Depois o empresário foi a público negar a declaração, argumentan­do que a sua fala foi tirada de contexto.

Tesoureiro do PSL em São Paulo e próximo ao capitão reformado, o advogado Victor Metta afirmou que o apoio de judeus a Bolsonaro é maciço e, em alguns setores mais conservado­res, “quase unânime”.

Havia apoio a Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB) e João Amôedo (Novo), disse Metta, especialme­nte no establishm­ent da comunidade. “Mas hoje, com o voto útil, todo mundo desistiu desses candidatos e ficou entre Jair Bolsonaro e o PT.”

Por establishm­ent, ele quer dizer as entidades que fazem interlocuç­ão com o poder público, como a Conib (Confederaç­ão Israelita do Brasil). “A perspectiv­a de ter Bolsonaro no poder os deixou desesperad­os. Nós representa­mos a renovação”, afirmou Metta.

Segundo o advogado Fernando Lottenberg, presidente da Conib, o establishm­ent dialoga com todos os setores e não está alinhado a um ou outro candidato.

Como contribuiç­ão ao debate, a entidade elaborou documento endereçado aos candidatos com suas pautas prioritári­as como a ampliação das relações com Israel e o combate à proliferaç­ão do ódio.

A Conib estima que haja 120 mil judeus no Brasil, 0,06% da população brasileira. A diversidad­e no interior da comunidade, afirma a entidade, reflete diferentes pontos de vista da sociedade como um todo.

De um lado, um grupo organizou a visita de um rabino ao ex-presidente Lula (PT), na cadeia, em Curitiba. De outro lado, aliados judeus de Bolsonaro articulara­m sua internação no Hospital Israelita Albert Einstein, após a facada.

“Tem gente que vota no Bolsonaro, sim, mas não sei dizer se são majoritári­os ou se tem mais gente no meio do caminho”, disse Lottenberg. “O tema de Israel e a mudança da embaixada [de Tel Aviv para Jerusalém] atraem mais gente nos grupos conservado­res.”

Em sua aproximaçã­o do eleitorado judaico, Bolsonaro também disse que a primeira viagem que fará após a eleição será a Israel e elogiou em diversas oportunida­des o desenvolvi­mento tecnológic­o do país.

“Pouquíssim­a gente cai nessa armadilha”, reagiu o curador Benjamin Seroussi, 38. “Tomo muito cuidado para não ser pautado pelas frases de efeito que Bolsonaro solta, no fundo, para a gente ter que reagir. É vazio de conteúdo. Não se trata de uma defesa clara do processo de paz ou da existência do Estado, mas de uma forma de atingir parcelas conservado­ras por meio de falas que parecem defender a repressão que ele apoia.”

Diretor da Casa do Povo, espaço cultural histórico da comunidade no Bom Retiro, em São Paulo, Seroussi concorda que a diversidad­e de voto entre judeus é semelhante à nacional, com cerca de 30% de eleitores do capitão reformado.

“Mas choca constatar como o povo judeu, que passou por tanto sofrimento, pode em parte também lutar por alguém que está fora do jogo democrátic­o”, disse.

O pedagogo Gabriel Douek, 28, enxerga uma disputa de narrativas. “Um dos grupos consegue levar a melhor. Por ser da elite empresaria­l, tem mais visibilida­de.”

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Demian Golovaty/Divulgação Judeus participam de ato contra Bolsonaro no sábado (29), em São Paulo

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