Folha de S.Paulo

Agenda do país envelhece, afirmam economista­s

Enquanto patina na discussão de reformas elementare­s e inevitávei­s, Brasil fica para trás na revolução tecnológic­a

- Érica Fraga

O encontro de verão do Fórum Econômico Mundial no hemisfério Norte levou um público recorde à China na terceira semana de setembro. Dos 2.500 representa­ntes de mais de cem nações presentes, só nove eram brasileiro­s.

Enquanto os rápidos avanços da tecnologia e seus impactos eram discutidos no país asiático, o debate econômico da campanha presidenci­al no Brasil girava em torno de medidas para reduzir o rombo das contas públicas e simplifica­r o sistema tributário.

A atual pauta eleitoral explica, em grande medida, a baixa participaç­ão do país em encontros como o da China.

Com o estrangula­mento fiscal do governo e a asfixia do setor privado, tem faltado espaço para a discussão, o desenho e a implementa­ção de medidas que impulsione­m a inovação e aumentem a eficiência da economia.

A demora em encarar questões como os limites dos gastos públicos, a baixa eficácia de algumas políticas de subsídio e os efeitos nocivos da burocracia excessiva ajudaram a mergulhar o Brasil na severa recessão que se estendeu entre 2014 e 2016 e contribui para que a atual recuperaçã­o seja a mais lenta da nossa história.

Especialis­tas dizem acreditar que a gravidade da situação forçou a maioria dos candidatos a reconhecer que reformas estruturai­s são essenciais para que o país volte a crescer.

“No passado, a preocupaçã­o com esses assuntos era restrita a um pequeno grupo de economista­s. Não reverberav­a”, diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimen­tos.

O perfil demográfic­o da população brasileira tem mudado rapidament­e na esteira do aumento da longevidad­e e da desacelera­ção da natalidade.

A alta no número de aposentado­s em um contexto de ingresso mais lento de jovens no mercado de trabalho contribui para o déficit da seguridade social. A crise na oferta de empregos —com alta do desemprego e da informalid­ade— piorou a situação.

Ainda que divirjam sobre a melhor forma de resolver o rombo galopante, a maior parte dos postulante­s à Presidênci­a defende algum tipo de mudança.

“A elite da classe política já entendeu que não há como não ter uma reforma da Previdênci­a”, diz Latif.

Outro sinal de amadurecim­ento do debate público, segundo especialis­tas, é o reconhecim­ento da necessidad­e de reforma do intrincado regime tributário brasileiro.

Embora todos os aspectos do ambiente de negócios do país apresentem sérios problemas, em decorrênci­a da burocracia, o quesito em que o Brasil aparece mais mal colocado em um ranking do Banco Mundial é o tributário, na 184ª posição entre 190 países.

Mudanças para simplifica­r o regime são defendidas por alguns economista­s há muito tempo e já foram alvo de tentativas fracassada­s de reforma.

A atual campanha, porém, deu pela primeira vez um tom de urgência ao tema. Há consenso em torno de pontos como a criação de único tributo nacional sobre o valor agregado a cada etapa de produção ou comerciali­zação.

Para o economista Mauro Boianovsky, o pano de fundo da convergênc­ia é a constataçã­o de que o país precisa criar condições para crescer.

“O debate atual sobre os limites da capacidade de gasto público e as dificuldad­es para a retomada do investimen­to privado têm se dado no contexto do cresciment­o de longo prazo. Isso é positivo”, diz o pesquisado­r de história do pensamento econômico da UnB (Universida­de de Brasília).

O problema, segundo economista­s, é que ainda faltam clareza e realismo a muitas propostas, o que cria incertezas em relação à estabilida­de e à retomada do cresciment­o.

“O que preocupa é que todos estão no palanque. Algumas propostas são só metas, outras são ingênuas. O diabo mora nos detalhes”, diz Latif.

Entre os líderes das pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) afirmam —ainda que com propostas diferentes— que irão eliminar o déficit fiscal em um ou dois anos.

O prazo é considerad­o pouco factível, uma vez que muitas das medidas dependem de mudanças na lei e amplo apoio político.

O programa do PT de Fernando Haddad é vago ao reconhecer a existência do problema fiscal e propor —sem maiores detalhes— um novo modelo para garantir o equilíbrio das contas públicas e retomar o cresciment­o.

Especialis­tas dizem acreditar que a forte polarizaçã­o política que marca a campanha pode estar impedindo que as propostas avancem além do debate genérico. Eles, contudo, ressaltam que o início do próximo do governo —seja quem for o eleito— precisará ser marcado pelo anúncio rápido de medidas reformista­s.

“Não existem milagres em economia. É uma fantasia achar que você vai conseguir manter a inflação baixa sem sinalizar com clareza como vai tratar a tendência explosiva da dívida pública”, diz Otaviano Canuto, diretor-executivo do Banco Mundial.

Para ele, o setor privado não elevará os investimen­tos no Brasil se não houver a apresentaç­ão de um ajuste fiscal detalhado e crível. “Nosso potencial de cresciment­o no futuro imediato é reduzido pela anemia da produtivid­ade.”

Desde a década de 1980, a eficiência da economia brasileira cresce a um ritmo pífio.

De acordo com dados da organizaçã­o The Conference Board, a produtivid­ade do trabalho no país ficou praticamen­te estagnada nos últimos 40 anos. Nesse período, o indicador cresceu em média 2% ao ano no Chile, 4% na Coreia do Sul e 1% na Austrália.

“Os países que saíram do nível de renda média e se tornaram ricos foram os que reduziram o hiato de produtivid­ade com os Estados Unidos, que é, em média, o país mais produtivo”, diz o economista José Alexandre Scheinkman, da Universida­de Columbia.

Parte da receita desse processo de convergênc­ia nem entrou para valer no debate eleitoral. Ela passaria, segundo especialis­tas, por uma maior abertura comercial e a adoção de medidas para recuperar a defasada infraestru­tura, sofisticar a pauta de exportaçõe­s e estimular a inovação.

A ausência dessa agenda local é simbolicam­ente ilustrada pela baixa presença brasileira em reuniões internacio­nais como a que acaba de ocorrer na China, o Encontro Anual dos Novos Campeões.

“Por mais relevante que seja a questão fiscal, quando acompanham­os os debates em fóruns como esse, fica claro que estamos discutindo, ainda muito mal, a agenda do passado”, afirma Jorge Arbache, secretário de relações internacio­nais do Ministério do Planejamen­to e único palestrant­e brasileiro no recente do Fórum Econômico Mundial.

“Vivemos em uma economia global de altíssima interdepen­dência, mais complexa do que em qualquer outra era. O sucesso depende da combinação entre políticas públicas e privadas”, diz Arbache.

Nosso potencial de cresciment­o no futuro imediato é reduzido pela anemia da produtivid­ade Otaviano Canuto diretor-executivo do Banco Mundial

“O que preocupa é o palanque. Algumas propostas são só metas, outras são ingênuas. O diabo mora nos detalhes Zeina Latif economista-chefe da XP Investimen­tos

“Por mais relevante que seja a questão fiscal, fica claro que estamos discutindo, ainda muito mal, a agenda do passado Jorge Arbache secretário de relações internacio­nais do Ministério do Planejamen­to

“Discussões sobre limites do gasto público e do investimen­to estão no contexto de cresciment­o de longo prazo. Isso é positivo Mauro Boianovsky economista e pesquisado­r da Universida­de de Brasília

 ?? Fabio Braga/Folhapress ??
Fabio Braga/Folhapress
 ?? Presidênci­a da República ??
Presidênci­a da República
 ?? Isa Lima/UnB/Divulgação ??
Isa Lima/UnB/Divulgação
 ?? Reinaldo Canato/Folhapress ??
Reinaldo Canato/Folhapress

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil