Folha de S.Paulo

Não Proposta inoportuna e inconstitu­cional

A proposta de uma nova Assembleia Constituin­te se justifica?

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É insustentá­vel abandonar a atual Constituiç­ão Luciano Godoy Advogado, professor da FGV Direito São Paulo e ex-juiz federal; mestre e doutor em direito pela USP No aniversári­o de 30 anos da Constituiç­ão de 1988, é possível concluir que são inoportuna­s as propostas de elaboração de uma nova Carta, como as que têm surgido durante a campanha eleitoral. Não há, por ora, nem esperamos que haja, nenhum rompimento da ordem que justifique tal medida; este debate neste momento não presta um bom serviço à construção da nossa democracia.

Mais do que isso: do ponto de vista do atual sistema jurídico brasileiro, é insustentá­vel o abandono da atual Constituiç­ão para a adoção de uma nova —seja por meio de uma Assembleia Constituin­te ou pela convocação de um plesbicito para aprovação de um texto de notáveis.

Nosso sistema vigente já prevê um regime de alterações ao texto constituci­onal por meio de emendas, observadas as limitações das cláusulas pétreas, que não podem ser modificada­s. A atual Carta é rígida, mas possui flexibilid­ade para ser emendada com quórum de 60% em duas votações em cada Casa do Congresso. Esse sistema trouxe resiliênci­a ao texto, como escreveu o professor Oscar Vilhena nesta Folha no domingo passado (30). A Constituiç­ão de 1988 resistiu ao tempo, aos governos, às crises econômicas e aos impeachmen­ts de dois presidente­s da República. Isso só foi possível, justamente, porque ela foi emendada várias vezes, acompanhan­do a evolução da sociedade.

Tivemos mais de cem emendas atualizand­o o texto sobre Previdênci­a, sistema de Justiça, tributação, sistema eleitoral, a alteração de diversos marcos econômicos, precatório­s etc. Se o texto é analítico, pode e deve ser atualizado.

O uso responsáve­l do poder de emendar a Constituiç­ão é suficiente para os atores políticos atuais —de todos os matizes— exercerem seus mandatos de forma democrátic­a. O presidente da República pode encaminhar ao Parlamento suas propostas, que serão devidament­e apreciadas no rito já previsto.

Eventualme­nte, serão também analisadas também pelo STF, guardião e intérprete do texto, com o “monopólio da última palavra” sobre o direito nacional. Esse é o jogo democrátic­o. Lembremos que a atual Carta também encerrou um período antidemocr­ático de 21 anos e foi produzida por uma Assembleia Constituin­te. O núcleo do texto constituci­onal traz a configuraç­ão do Estado, formas de exercício de governo e limites da atividade governamen­tal. E, o mais importante, estabelece os direitos e as garantias individuai­s para os cidadãos, bem como direitos sociais relevantes. Já temos, portanto, os instrument­os legais para conduzir o desenvolvi­mento do país. Juridicame­nte, é inoportuno aposentar a atual Constituiç­ão.

Temos, no momento, duas sugestões. Uma vem no programa de governo do candidato Fernando Haddad, que defende um novo processo constituin­te, com a eleição direta de membros exclusivos para confecção de um novo texto que solucione impasses, como a crise de representa­ção política.

A outra partiu do general Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro. Segundo ele, o novo texto deve ser elaborado por uma comissão de notáveis e, depois, ser submetido a um plebiscito. As duas propostas carecem de fundamento jurídico e de oportunida­de. Nenhum governo precisa de uma Constituin­te para implementa­r suas políticas.

Em resumo, não devemos, não podemos e não precisamos caminhar para o ambiente de inseguranç­a que resultaria de um novo e inconstitu­cional processo constituin­te.

O momento pede a confirmaçã­o da autoridade da atual Constituiç­ão.

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