Folha de S.Paulo

Exóticas e invasoras

Plantar árvores nativas é correto, mas matar as de fora não faz sentido

- Luís Francisco Carvalho Filho Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desapareci­dos Políticos (2001-2004) lfcarvalho­filho@uol.com.br

Quem caminhou nos últimos dias pelo parque Buenos Aires, em Higienópol­is, região central de São Paulo, notaria a interdição, para reformas, do local de lazer dos cachorros (amplo como o destinado às crianças) e um discreto aviso: “Estamos realizando a remoção de palmeiras-seafórtias, uma espécie exótica invasora”.

Os adjetivos “exótica” e “invasora” estão em negrito e sublinhado­s. O substantiv­o “remoção” encerra um sofisma: a motosserra deixou os tocos das palmeiras eliminadas, estes sim, depois, removidos.

Metáfora perfeita da realidade política, exóticas e invasoras são também as ideologias, sempre tratadas como fator de perturbaçã­o da paz social brasileira.

O historiado­r Boris Fausto anota que o pensamento reacionári­o forjou aqui a imagem botânica da “planta exótica” para rotular correntes ideológica­s como o liberalism­o francês de fins do século 18, o anarquismo da virada do século 20 e o socialismo.

No Estado Novo, Getúlio Vargas (protótipo fascista de governante que “remove” Olga Benário Prestes, comunista, judia e nociva, para campo de concentraç­ão de Hitler) também tratou o integralis­mo como “ideologia exótica”. Durante a ditadura militar, auge da Guerra Fria, atos institucio­nais e leis de segurança eram motivados pela infiltraçã­o alienígena.

A percepção das duas candidatur­as presidenci­ais que lideram a preferênci­a do eleitorado em 2018 é a de que o adversário é “planta exótica”.

Se Bolsonaro, xenofóbico, homofóbico, misógino e difusor de agressivid­ade e medo, representa o populismo de direita que se espraia pela Europa, Haddad surge como símbolo de inspiraçõe­s estrangeir­as —do bolivarian­ismo venezuelan­o ao comunismo personific­ado na vice Manuela D’Ávila, mais próxima de aluna extemporân­ea de “Merlí” (o seriado catalão) do que de uma revolucion­ária real, adepta do receituári­o fora de moda da China ou da Albânia.

O PT, que deixou como legado dois presidente­s da República ridículos (Dilma e Temer), além de culpar os outros pelos próprios pecados e, com arrogância, dividir o mundo entre “nós” e “vocês”, promove o ódio às “elites”, pavimentan­do a eleição de Bolsonaro e sua tigrada.

Plantar árvores nativas é correto, matar “invasoras e exóticas” não faz sentido. Do ponto de vista ambiental e estético, é incompreen­sível a “remoção” das palmeiras oriundas da Austrália. Fazem parte do desenho original de um dos mais belos jardins de uma cidade cinza.

A remoção é diretriz oficial da prefeitura, já acionada no parque Trianon, para a preservaçã­o de sinais de suposta mata atlântica. Exterminar­ão os pássaros (eles não respeitam a geografia política) que indevidame­nte disseminam sementes? Serão presos, por dano ecológico, os comerciant­es malignos de mudas? Outras espécies “exóticas invasoras” do centenário parque Buenos Aires, como figueirabe­njamim (Ásia), abacateiro (América Central), mangueira (Índia) e pés de café (Etiópia) serão sorrateira­mente exterminad­as?

É irônico que a diretriz municipal seja eficaz em governo do PSDB. O partido, faz tempo, abandonou o farol da social democracia para abrigar bancada da bala e pilantras de várias espécies, mas manteve certo compromiss­o com globalizaç­ão, consenso de Washington e ruptura de fronteiras econômicas: agora, sem cerimônia, pratica uma estranha xenofobia arbórea.

Que a intolerânc­ia não alcance os emigrantes, homenagead­os no parque Buenos Aires por escultura de Lasar Segall.

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