Folha de S.Paulo

Mercado vê agenda superficia­l de candidatos

Para analistas, tanto Haddad como Bolsonaro precisam detalhar e mostrar viabilidad­e de propostas econômicas

- Anaïs Fernandes, Danielle Brant e Taís Hirata

Passada a euforia dos investidor­es nesta segunda-feira (8), agentes do mercado cobram que os candidatos no segundo turno da corrida presidenci­al usem as próximas semanas para detalhar suas propostas econômicas e mostrar como planejam executá-las.

A crítica é que as agendas são superficia­is e geram incertezas, tanto do lado do candidato petista, Fernando Haddad, como do de Jair Bolsonaro (PSL).

O ponto central é como eles vão combater o crescente déficit fiscal do país, apontam economista­s, entidades e empresário­s ouvidos pela Folha.

“O primeiro turno mostrou um voto contra algo, mas no segundo turno é preciso entender a que dizer ‘sim’. Os planos de governo apresentar­am linhas gerais muito rasas”, diz Ana Carla Abrão, sócia da consultori­a Oliver Wyman.

Para Rodrigo Soares, professor de políticas públicas brasileira­s da Universida­de Columbia, o PT de Fernando Haddad, que passou com 29,3% dos votos válidos, reforçou “muito da história do partido, da adoção de políticas econômicas desenvolvi­mentistas desastrosa­s, com interferên­cia nas estatais”.

No caso de Bolsonaro, que abriu ampla vantagem com 46% dos votos, as políticas são vistas como menos prejudicia­is, ao menos no curto e médio prazos. Sua equipe fez claro aceno ao mercado falando em privatizaç­ões e enxugament­o do Estado.

Mas a avaliação é que falta substância às propostas. “É muito genérico. Há a expectativ­a de uma política liberal, mas mesmo isso não é muito bem definido”, diz Soares.

O consenso é que o ponto de partida para o ajuste nas contas públicas deve ser uma reforma da Previdênci­a.

Sobre Haddad, o mercado quer entender primeiro se alterações nas regras de aposentado­ria são uma prioridade.

Em seu programa, o PT refuta a necessidad­e de uma reforma, embora estabeleça como meta a convergênc­ia dos regimes geral e dos servidores.

Publicamen­te, Haddad já indicou ver necessidad­e de mudança nas regras de acesso, mas afirmou que o processo tem de ser negociado e não pode recair sobre os mais pobres.

Bolsonaro diz querer introduzir gradualmen­te o regime de capitaliza­ção, em que cada trabalhado­r faz a sua própria poupança.

Como os novos participan­tes poderiam optar entre o sistema novo e o velho, porém, economista­s veem risco inicial de aumento do déficit.

Além disso, por Bolsonaro ser capitão reformado, há dúvidas se militares seriam incluídos em uma reforma.

Especialis­tas reforçam que mudar o sistema de aposentado­ria é apenas o primeiro passo do ajuste, que precisa incluir ainda alterações na forma de tributação, por exemplo.

“Nenhuma das duas equiral, pes tinha muita certeza de suas propostas. O PT se confundiu ao falar em aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda sem contar que isso beneficiar­ia também quem ganha mais. No caso de Bolsonaro, parece que nem sequer foi feito cálculo para propor a alíquota única de 20%”, diz Sérgio Gobetti, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Os candidatos precisam mostrar que têm compreensã­o do desafio fiscal estrutu- diz Samuel Pessôa, pesquisado­r sênior da área de economia aplicada do Ibre/FGV e colunista da Folha.

“Será necessário aumentar impostos ou reduzir gastos ou ambos. Não está claro como farão nenhuma das opções”, diz.

Outra incógnita é até que ponto conseguirã­o implementa­r seus programas, diante do novo Congresso.

“É curioso, porque boa parte do eleitorado diz querer renovação, no sentido de uma economia mais aberta, mas muitos dos eleitos tiveram na sua vida uma agenda oposta às reformas”, afirma Marcos Lisboa, presidente do Insper e também colunista da Folha.

“As propostas precisam ficar claras, porque os candidatos vão precisar de apoio. Sem isso, o risco é ter um período de euforia por algum tempo e depois frustração”, diz.

No setor de infraestru­tura e construção, considerad­o essencial para o cresciment­o, a percepção é que tanto Bolsonaro quanto Haddad vão buscar destravar obras e incentivar parcerias com o setor privado, mas que ambos ainda precisam esclarecer propostas.

Do lado de Bolsonaro, a preocupaçã­o é justamente em relação à falta de detalhamen­to.

“O mercado de infraestru­tura não está confortáve­l. As pessoas querem saber quem vai fazer, o que vai fazer e se há condições políticas. Você pode ter um programa bom, mas quem vai executar?”, diz Claudio Frischtak, presidente da consultori­a Inter.B.

Um consultor especialis­ta em infraestru­tura, que preferiu não se identifica­r, diz haver um temor de medidas que possam limitar a entrada de investidor­es estrangeir­os, por causa de declaraçõe­s nacionalis­tas do candidato do PSL.

Ainda assim, há uma preferênci­a pelo discurso mais liberal do programa de Bolsonaro.

Da parte de Haddad, a lista de preocupaçõ­es é mais extensa e carrega um temor em relação a um intervenci­onismo do PT. “Há uma ilusão de que haverá recurso público para investimen­tos em infraestru­tura”, diz Frischtak.

No programa do petista, menciona-se a criação de um fundo de financiame­nto da infraestru­tura. Há também a previsão de reverter o teto de gastos públicos para acomodar investimen­tos no setor.

Para Venilton Tadini, presidente da Abdib (associação de infraestru­tura e indústrias de base), o próximo governo precisa abrir espaço no Orçamento para investimen­tos, mas diz que isso deve ocorrer com cortes no custeio e redução de isenções fiscais.

A preocupaçã­o só é menor porque ambos os candidatos concordam que é preciso destravar o setor e porque propostas polêmicas deverão passar pelo crivo de um Congresso pulverizad­o, diz José Carlos Martins, presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

Ele cita como exemplos a proposta petista de reverter a reforma trabalhist­a e possíveis iniciativa­s estatizant­es de Bolsonaro.

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Eduardo Anizelli - 7.out.18/Folhapress
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Marlene Bergamo - 7.out.18/Folhapress

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