Folha de S.Paulo

Chega de conversa fiada

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

O dia 7/10/2018 consagrou a vitória da democracia. Nele, a cidadania revelou que aprendeu que o voto é sua mais poderosa arma para enfrentar as artimanhas construída­s pelos políticos para a sua autopreser­vação.

Terminado o primeiro turno eleitoral com dois fanfarrões, é tempo de caírem na realidade e esquecerem as fantasias que esconderam. É preciso que reconheçam alguns fatos incontorná­veis, quer pela ideologia, quer pela força.

1º) O “desenvolvi­mento econômico”, condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvi­mento social, é apenas o outro nome da “produtivid­ade do trabalhado­r”. Os brasileiro­s só podem consumir ou poupar (na forma de bens de produção que aumentam a produtivid­ade futura) o que eles mesmos produziram.

2º) É fato empírico indisputáv­el: a produtivid­ade do trabalhado­r depende do estoque de bens de produção e da infraestru­tura (capital físico) e do nível de saúde, de educação e de segurança (capital humano) de que ele é portador.

Para haver cresciment­o, o estoque de capital (físico e humano) à sua disposição tem que crescer a uma taxa maior do que da força de trabalho que é condiciona­da pela evolução demográfic­a. Imune, portanto, ao delírio ideológico e ao fantasma da força.

3º) É necessário que haja uma harmonia entre o que se consome e o que se investe em cada ano. Um viés sistemátic­o a favor do consumo presente compromete o futuro. Uma ênfase sistemátic­a no investimen­to reduz o consumo e aumenta as tensões sociais. Os dois programas terminam no fracasso econômico e político.

4º) Existem limites determinad­os pela oferta de fatores de produção (que podem ser mitigados pelo comércio externo) e pelas identidade­s da contabilid­ade nacional. Quando se tenta violá-los, terminase no caos fiscal, na inflação e nos déficits externos, como vimos em 2012-2016. Pior, levam a uma descrença da atividade política que parece tornar subótima a solução pacífica dos conflitos pela via democrátic­a.

Nas últimas seis décadas (1950-2016) a economia brasileira, aos trancos e barrancos, começou crescendo a 4% ao ano (PIB per capita), enquanto o mundo (aproximado pelos EUA) crescia a 2,4%.

Entre 1984 e 2016, enquanto o mundo prosseguiu nos seus 2,4%, nosso cresciment­o reduziu-se a mísero 1,9% ao ano. Relativame­nte, empobrecem­os!

O que se espera dos candidatos é seriedade: programas alternativ­os, empiricame­nte sustentáve­is, para inverter essa situação. Felizmente lembramse, agora, que não precisamos de uma nova Constituiç­ão, como pediam ambos com seus autoritari­smos orgânicos. Precisamos, mesmo, é começar a praticar —e respeitar— a de 1988!

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