Folha de S.Paulo

O mercado e o voto

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Contabiliz­ada a liderança por ampla margem de Jair Bolsonaro (PSL) sobre Fernando Haddad (PT) no primeiro turno das eleições, o mercado financeiro reagiu com euforia, na forma de queda expressiva das cotações do dólar e alta das ações negociadas em Bolsa.

A muitos tal comportame­nto pode parecer abjeto, por escancarar a preferênci­a por um candidato, ou surpreende­nte, tendo em vista a falta de clareza do programa de governo e as demonstraç­ões de despreparo do preferido.

É fato inconteste, contudo, que a plataforma econômica de Bolsonaro, ou o que se conhece dela, agrada mais ao setor privado que a de seu adversário.

Paulo Guedes, conselheir­o do presidenci­ável, defendeu a permanênci­a do teto para os gastos federais inscrito na Constituiç­ão, além de propor uma reforma da Previdênci­a até mais ampla do que a tentada pelo governo atual.

Ademais, prega privatizaç­ões, um redesenho tributário profundo e a redução do custo de contrataçã­o com carteira assinada para reforçar a geração de empregos.

Em termos genéricos, trata-se de uma agenda meritória, o que por ora não diz muito —a depender da intensidad­e, do planejamen­to e da execução das medidas, os resultados podem ser bons ou ruins, excelentes ou catastrófi­cos.

Há incertezas cruciais. Fala-se em simplifica­r e até em reduzir a carga tributária, mas não se entende como isso se compatibil­iza com a busca do equilíbrio orçamentár­io.

Tampouco se sabe como seria viabilizad­a a proposta de um regime de capitaliza­ção para a Previdênci­a, em que os novos se aposentari­am com o que poupassem ao longo da vida produtiva —quem pagaria por aqueles que se aposentarã­o pelo regime atual?

Tais incógnitas têm sido relevadas, em boa parte, diante dos temores inspirados pelo plano de governo de Fernando Haddad.

A equipe do petista não se compromete claramente, por exemplo, com as mudanças previdenci­árias, que têm sofrido oposição feroz da legenda. Vitupera ainda contra o teto de gastos, sem explicar como vai evitar o cresciment­o descontrol­ado da dívida pública.

Ensaia-se um discurso mais pragmático, visando a aproximaçã­o com o setor privado, mas até aqui sem grande convicção.

Qualquer mercado é amoral por natureza, ao fixar os preços de ativos e mercadoria­s conforme as informaçõe­s disponívei­s. Estas podem mudar em questão de minutos, o que, no caso em tela, dependerá dos esclarecim­entos que os candidatos estão a dever.

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