Aumento do nível do mar já é realidade no mundo e sai caro
Pesquisas dizem que custos humano e financeiro de inundações são mais altos e duradouros do que se pensava
De manhã, antes de sair para o trabalho, Ambika Thankappan ligou para seu filho Arun para lhe dizer que o mundo deles estava prestes a ficar submerso.
“Da, os vilarejos vizinhos já estão inundados”, ela disse calmamente, referindo-se a ele com uma palavra carinhosa em malayalam que significa menino. “E está começando a chegar à nossa vila.”
Arun pulou em sua moto e partiu na chuva em direção à sua casa. Mas a água já tinha mais de 45 cm de profundidade e subia rapidamente. Se ele não chegasse lá a tempo, a água iria engolir tudo o que eles tinham trabalhado a vida toda para construir: a casa e tudo o que amavam, incluindo Messi, seu cachorro.
Em um dia normal, Arun estaria trabalhando em uma loja no Aeroporto Internacional de Cochin, no estado de Kerala, na costa sudoeste da Índia. Ambika estaria trabalhando no mesmo aeroporto, coletando carrinhos para os viajantes; um homem chamado Wilson Perez estaria colhendo tomates em Immokalee, na Flórida.
Mas 15 de agosto de 2018 não foi um dia normal para Arun e sua mãe. Naquela manhã, depois de três dias de chuva, a água começou a subir. E subir.
Arun fez uma viagem frenética de duas horas e meia por estradas alagadas para chegar em casa. Ficou aliviado ao encontrar a casa ainda seca e Messi seguro no quintal. Em seguida, ele checou seus vizinhos nos terrenos baixos atrás do aeroporto de Cochin, o primeiro aeroporto do mundo a ser totalmente movido por energia solar.
Mas dentro do aeroporto, a água estava subindo e inundando os painéis solares. Por volta do meio-dia, a água começou a romper a parede atrás da pista de decolagem com a força de uma represa explodindo. Messi sumiu.
Até agora, os cientistas pensavam nas mudanças climáticas como algo do futuro: cidades que ficarão submersas até o ano 2050, 2100 ou nos próximos 50, 100 ou 200 anos. Mas para um número crescente de pessoas em todo o mundo, esse futuro submerso já chegou.
Um relatório histórico divulgado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU na segunda (8) afirmou que o nosso mundo já está 1ºC mais quente do que nos níveis pré-industriais. Sem “mudanças rápidas, abrangentes e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade”, a temperatura mundial subirá 1,5°C muito antes do que pensávamos —no prazo de 12 anos.
Entre as consequências mais concretas e imediatas do aquecimento global são as inundações. À medida que temperaturas mais altas levam ao aumento do nível do mar e chuvas mais extremas, mais e mais pessoas já estão aprendendo a viver com inundações catastróficas.
Muitas encontram maneiras criativas de se adaptar. Mas isso tem um custo: primeiro, para elas mesmas, mas, no final das contas, para todos nós.
Economistas tentam calcular os efeitos de longo prazo das inundações nas cadeias globais de comércio, no PIB de países, nas rendas familiares e na desigualdade social.
Mas pesquisas emergentes sugerem que os custos humanos e financeiros das inundações já são muito mais altos e muito mais duradouros do que se suspeitava. Um estudo recente descobriu que, sem adaptações estruturais em grande escala, as perdas econômicas totais causadas pelas inundações de rios provocadas pelo clima causarão um aumento de 17% nas perdas econômicas mundialmen- te nos próximos 20 anos.
“Se estamos apenas computando o custo direto de uma inundação nas casas que foram afetadas, e o preço que levou para resgatá-las, e o preço necessário para reparar a infraestrutura, e outras coisas desse tipo, então estamos potencialmente desconsiderando grandes custos ocultos associados a essas inundações”, disse Amir Jina, professor da Universidade de Chicago.
Quatro anos atrás, Jina e outro pesquisador, Solomon M. Hsiang, analisaram os efeitos dos furacões (dos quais inundações constituem uma parte grande do custo) sobre as rendas nacionais. “Mesmo 20 anos após o impacto de um furacão, há um declínio no PIB. Não é apenas um problema costeiro”, apontou Jina. “É um problema de todos.”
Além dos danos imediatos, cada inundação tem uma série de efeitos amplos e duradouros —chamados de “custos em cascata” — que se propagam por regiões, economias e vidas. Alguns custos são tangíveis e podem ser recuperados com o tempo; mas os custos menos tangíveis são muitas vezes irrecuperáveis.
“Não é difícil substituir um prédio ou secá-lo ou fazer o que você tem que fazer”, disse Caceres. “Mas o tempo de inatividade e a perda de produtividade daquelas instalações têm um impacto global.”
O aeroporto de Cochin é um desses exemplos. Durante seis dias, Ambika e cerca de 800 funcionários do aeroporto, segundo ela, e 400 pessoas de outras partes da Índia trabalharam continuamente para limpar o aeroporto.
Uma semana após o alagamento, o aeroporto de Cochin estava quase pronto. Mas todas as pessoas que mantêm um aeroporto funcionando não estavam prontas. Elas ainda moravam em abrigos. As estradas estavam destruídas e doenças como a leptospirose começavam a se espalhar.
O aeroporto de Cochin estimou o custo de fechar por duas semanas em 2 bilhões de rúpias ou US$ 27 milhões. Mas provavelmente levará meses ou anos para calcular o impacto da temporada perdida do tradicional festival Onam na economia local. Toda a temporada turística foi suspensa.
Nos EUA, as fortes chuvas do furacão Irma, em setembro de 2017, causaram inundações graves em Immokalee, na Flórida. A região é onde se cultiva a maior parte da safra de inverno de tomate do país e onde mora Wilson Perez, um dos trabalhadores rurais que colhe esses tomates.
Perez e seu filho de quatro anos, José, passaram uma semana amontoados em uma escola primária com centenas de outras pessoas até que as águas baixassem. Eles e seus vizinhos ficaram doentes.
A maioria dos danos físicos aos campos e trabalhadores rurais foi eventualmente reparada. Mas o contratempo nos campos e na vida dos trabalhadores rurais atrasou a temporada de plantio de inverno. Dois meses depois, isso resultou em uma escassez de tomates. E isso, por sua vez, levou os preços até dobrar em todo o país, da Califórnia a Illinois.
Hoje, 40% da população mundial vive a 100 km da costa. E esse número está aumentando —também, em parte, graças às mudanças climáticas. Cada vez mais, as secas estão levando as pessoas do interior a migrarem para as periferias das principais cidades do mundo, muitas delas perto do litoral.
Essas áreas, porém, tendem a ser mais vulneráveis a inundações. Grande parte da infraestrutura no mundo foi projetada para um mundo antes das mudanças climáticas.
(Quanto ao cachorro Messi, dez dias após a inundação ele foi achado faminto e traumatizado. Ele não reconheceu seus donos no começo, mas, depois de ouvir seu nome, pulou para cumprimentá-los.)