Folha de S.Paulo

Na TV, deputado chora e petista diz que campanha não é de um partido

- Luciana Coelho

Como em thrillers de filmes de suspense, om edoéa mensagem central na reestreia dos programas de Jair Bolsonaro (PSL)e Fernand oH add ad( PT ), que o evocam pelo instinto.

Passada a premissa, há contraste de teor e linguagem.

A equipe do PSL, com 37,5 vezes o tempo que tinha no horário eleitoral do primeiro turno, escolheu um tom institucio­nal que lembra os filmes governamen­tais do cineasta Humberto Mauro (1897-1983) para promover valores nacionais nas décadas de 1940 a 1960. A narração e a música alarmista que marcam a peça emanam os anos 1980.

A primeira imagem natel aé aquedado Mu rode Berlim, em 1989, seguida de Cuba—erroneamen­te chamada de país mais atrasado da região— e da Venezuela, mergulhada em crise devastador­a.

(A ilha socialista é o sexto país latino-americano no ranking de Índice de Desenvolvi­mento Humano, à frente do Brasil mais 16 nações, descontada­s pequenas ilhas caribenhas).

A ideia é dizer que o projeto petista, com o Foro de São Paulo (1990), é disseminar o socialismo à cubana e venezuelan­a, associando a isso discursos do ex-presidente Lula e imagens dele com Haddad e Dilma Rousseff. O fantasma comunista, afinal, tem sido protagonis­ta da campanha.

A escolha dos eleitores que aparecem no programa reforça esse suposto temor e revela ainda o esforço para quebrar a ideia de que Bolsonaro é avesso a mulheres e negros, apesar de seus discursos passados: sucedem-se em depoimento­s uma mulher branca, um homem negro, uma mulher negra, um homem branco.

Passado o impacto, palavras positivas se sobrepõem à mensagem negativa, cobrindo a tela: “gratidão”, “Deus”, “determinaç­ão”, “verdade”. É notável a preocupaçã­o de mostrar Bolsonaro forte, algo providenci­al diante de questionam­entos de que seu vice, um general, poderia se sobrepor à sua patente inferior, capitão.

A facada que o candidato levou é apresentad­a, desta forma, sob a luz da resiliênci­a.

Em vez de projetos de seus 27 anos como deputado pelo Rio, são evocadas as palavras “honesto”, “firme”, “voz forte”, fora de “conchavos”. Sentimento sobrepõe-se a fatos.

Nesse ponto, o programa vira a chave para humanizar Bolsonaro. Ele é casado, pai de quatro homens e uma menina que diz ter mudado sua vida.

Alguns segundos são dedicados a pai e filha e ao depoimento emotivo do candidato. No filme, o homem capaz de derrotar a suposta ameaça socialista tem, afinal, coração.

Para o terceiro vértice da campanha (medo do outro/ família e fé/patriotism­o), surge o hino nacional e a mensagem “Deus acima de todos”.

É um programa eficiente para o eleitor bolsonaris­ta, que espelha a campanha que o consagrou no primeiro turno em sua exata ordem de prioridade­s: combater o PT, louvar a família, engrandece­r a Pátria.

Por sua vez, o programa de Haddad começa na mesma linha, apesar de beber no marketing político da última década. Antes de mostrar o petista, uma atriz (mulher negra, como a maioria dos eleitores mostrados no programa) lista agressões físicas a minorias e militantes nos últimos dias, incluindo um assassinat­o.

É lembrada a destruição da placa com o nome da vereadora assassinad­a Marielle Franco, no Rio, por apoiadores de Bolsonaro. Evoca-se a falta de respeito e a supressão de direitos, e em seguida multiplica­m-se imagens do candidato rival simulando atirar.

A mensagem de medo não é menos primal do que aquela lançada no programa adversário: “Se a violência está assim agora, imagine quando ele [Bolsonaro] for eleito” —narrativa à qual o PT se aferrou.

Só aí entra Haddad em cena, propondo-se como alternativ­a e prometendo paz e garantia de direitos para todos.

Lula é lembrança discreta — meros cinco segundos, em discurso no qual elogia Haddad.

Assim como com Bolsonaro, a trajetória do ex-prefeito de São Paulo é vista do ponto de vista familiar: casado há 30 anos com a mesma mulher, professor, formado em direito e economia —busca assim se diferencia­r do terceiro casamento e da escolarida­de mais curta do adversário.

Esse Haddad “simpático” ainda tenta se despetizar, frisando que sua campanha (que trocou o vermelho pelas cores da bandeira nacional, limitando-o ao número 13) “não é de um partido, mas de todos que defendem a democracia”.

O enredo da peça tem força entre o eleitorado de Haddad, mas não encontrou eco ainda entre partidos e políticos que o petista gostaria de trazer para o seu lado.

Assim como no programa de Bolsonaro, o alarmismo inicial é substituíd­o aos poucos por uma música mais alegre (um samba) que prega a união.

Em contraste com o adversário, porém, o programa de Haddad mostra brevemente propostas do candidato para educação e empregos, numa aparente tentativa de ir além das reações instintiva­s.

É o único momento, das duas peças, em que a informação prevalece sobre a emoção.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil