Plano de candidatos exige mudança na Constituição
Novo presidente terá dificuldade para obter os votos de 60% do Congresso
Algumas das principais propostas dos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) dependem de mudanças no texto da Constituição de 1988.
Para aprovar emenda à Carta é preciso o apoio de três quintos do Congresso, o que será difícil num cenário de fragmentação partidária.
Bolsonaro pretende reduzir a maioridade penal, inicialmente de 18 para 17 anos —um futuro presidente promoveria a queda para os 16.
Entre especialistas, há dúvidas se essa alteração no texto constitucional seria juridicamente possível, por envolver o direito à vida e acordos firmados pelo Brasil.
A permissão para a exploração econômica de reservas indígenas, outra ideia do presidenciável do PSL, também deve exigir emenda.
No programa de governo do Haddad, há ao menos sete propostas de mudança na Constituição, incluindo a extinção do teto fixado para as despesas do governo federal.
O petista recuou do plano de convocar uma Assembleia Constituinte, incluído no programa oficial de governo no primeiro turno.
Já Bolsonaro desautorizou seu vice, que aventou uma nova Carta a ser redigida por uma comissão de notáveis e submetida a referendo popular.
Algumas das principais propostas de governo dos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) demandariam mudanças na Constituição brasileira para serem encaminhadas.
Essas alterações teriam que ser feitas por meio de propostas de emendas à Constituição, as PECs, que precisam passar por diversas instâncias de deliberação e de tramitação antes de serem definitivamente aprovadas.
Em um cenário em que a Câmara e o Senado estarão mais fragmentados do que nunca na história a partir de 2019, é quase certo que o futuro presidente terá grandes dificuldades caso queira alterar a Constituição.
Uma PEC precisa passar por votações na Câmara e no Senado para que seja aprovada. As votações se dão sempre em dois turnos, sendo exigido o apoio de pelo menos três quintos do total de membros de cada Casa para aprovação.
As principais propostas de Bolsonaro que precisariam de PECs são a redução da maioridade penal; as mudanças nas terras indígenas; alterações no 13º salário; além da ideia de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, apresentada pelo vice, general Hamilton Mourão (PRTB), e depois negada pelo presidenciável.
No caso da maioridade penal, Bolsonaro tem dito que, caso eleito, deve tentar reduzi-la para 17 anos, evitando assim repercussão negativa. Outro presidente, então, faria a redução para os 16 anos.
Segundo Diogo Rais, professor de direito do Mackenzie e da FGV-SP, há uma “zona cinzenta” ao tratar da mudança.
“Há três leituras possíveis. Uma delas, a mais branda, diz que seria possível, sim, mudar por PEC. Uma segunda leitura é a de que só uma nova Constituição permitiria tal alteração, dado que a redução toca na cláusula pétrea do direito à vida. Uma terceira visão seria a de que nem mesmo uma nova Constituição autorizaria, já que o Brasil firmou compromissos com sistemas internacionais de direitos que vedam a mudança. É uma discussão que acabaria no STF”, diz Rais.
Sobre o projeto do presidenciável do PSL de colocar as terras indígenas para os próprios índios administrarem, dando-lhes a possibilidade de as venderem, Rais afirma que a Constituição fala em “posse permanente” e “usufruto exclusivo das terras pelos índios, confirmando, assim, que apenas uma PEC possibilitaria a realização do projeto.
A campanha de Bolsonaro não chegou a tratar formalmente do 13º salário. Mas Mourão fez críticas ao salário e chegou a sugerir o parcelamento dos valores. Ele depois foi desautorizado por Bolsonaro, que disse que o direito não pode ser suprimido.
De acordo com o professor de direito da USP Dircêo Torrecillas Ramos, o 13º salário não pode ser extinto, mas propostas para modificar o modo de pagamento podem ser tratadas por meio de PEC. “Pode modificar se for para melhorar. Uma PEC poderia apontar uma orientação geral sobre o 13º salário, deixando mais flexível a negociação da forma de pagamento”, afirma.
Na semana passada, tanto Bolsonaro como Haddad recuaram nas propostas de convocar uma Assembleia Constituinte e disseram que não pretendem encaminhá-las.
No caso do candidato do PSL, a ideia foi originalmente de Mourão, que defendeu uma Constituinte composta de “notáveis”.
“O poder constituinte não pode ser repassado por meio do presidente chamando um grupo de notáveis. Tem que ser em Assembleia Constituinte com representantes eleitos, para dar legitimidade à Assembleia”, afirma Ramos.
No programa de governo do Haddad, há ao menos sete propostas de alteração na Constituição. Entre elas pontos historicamente caros ao petismo, como um marco regulatório das empresas de comunicação, expandir para a iniciativa popular o direito de convocar um plebiscito e a adoção do voto proporcional e em lista pré-ordenada. À lista somou-se, após o impeachment, a revogação de uma outra PEC, a do teto de gastos, aprovada no governo Temer, que limita o aumento dos gastos do governo federal por até 20 anos.
“Nesse momento atual de radicalismo político, será muito difícil alcançar o número de votos necessários para aprovar essas emendas. Então algumas dessas propostas, tanto de Bolsonaro quanto de Haddad, podem ser até legítimas, mas de complexa exequibilidade”, diz Walber de Moura Agra, doutor em direito pela Universidade Federal de Pernambuco e procurador do mesmo estado.
No campo do Judiciário, Haddad propõe instituir mandatos para ministros da cortes superiores; no econômico, uma reforma tributária que implemente o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que substituiria a atual estrutura de impostos indiretos.
Para o professor de direito da USP André Ramos Tavares, mudanças na Constituição deveriam ser excepcionais, pois um constante retalhamento do texto prejudica sua coerência e compreensão.
Uma das poucas propostas de emenda que vê com bons olhos é a relativa ao IVA. “Nesse caso me parece imprescindível a mudança. Chegamos de maneira madura à conclusão de que é impossível permanecer com esse sistema injusto, retrógrado e federativamente insustentável.”
Tavares, no entanto, afirma ser “contra experimentalismos constitucionais, por emendismo”.
“Será muito difícil alcançar o número de votos necessários para aprovar essas emendas. Então algumas dessas propostas, de Bolsonaro e de Haddad, podem ser até legítimas, mas de complexa exequibilidade
Walber Agra Procurador e doutor em direito