Folha de S.Paulo

Bolsonaro usa estratégia militar na comunicaçã­o, afirma antropólog­o

Antropólog­o diz que Bolsonaro usa conceitos de ponta forjados em guerras

- Guilherme Seto

Os recursos escassos, a estética e as constantes contradiçõ­es de Jair Bolsonaro (PSL) e seus aliados podem levar à impressão de que a estratégia de comunicaçã­o do candidato é amadora.

Contudo, segundo o antropólog­o Piero Leirner, professor da Universida­de Federal de São Carlos que estuda instituiçõ­es militares há quase 30 anos, a comunicaçã­o de Bolsonaro tem se valido de métodos avançados de estratégia­s militares, manejados de maneira “muito inteligent­e”.

“Não se trata exatamente de uma campanha de propaganda; é muito mais uma estratégia de criptograf­ia e controle de categorias, através de um conjunto de informaçõe­s dissonante­s”, diz Leirner.

“É parte do que tem sido chamado de ‘guerra híbrida’: um conjunto de ataques informacio­nais que usa instrument­os não convencion­ais, como as redes sociais, para fabricar operações psicológic­as com grande poder ofensivo, capazes de ‘dobrar a partir de baixo’ a assimetria existente em relação ao poder constituíd­o”.

No novo paradigma político descrito por Leirner, gestado em guerras “assimétric­as” como a do Vietnã —nas quais os poderes e táticas militares são muito discrepant­es entre os adversário­s— e colocado em prática nas “primaveras” do Oriente Médio, as redes sociais têm papel central.

A cúpula bolsonaris­ta conta com a participaç­ão de diversos membros das Forças Armadas, que tiveram contato com essas doutrinas.

Há diversos recursos de “guerra híbrida” identificá­veis na campanha bolsonaris­ta com a participaç­ão de seus eleitores: a disseminaç­ão de fake news e as contradiçõ­es (chamadas por Bolsonaro de “caneladas”) entre as figuras de proa da campanha são alguns deles.

As divergênci­as entre o presidenci­ável e o vice, general Hamilton Mourão (PRTB), sobre o 13º salário, e também entre ele e o economista Paulo Guedes sobre a criação de imposto aos moldes da CPMF, são ilustrativ­as desse vaivém que, ao fim, gera dividendos políticos para Bolsonaro.

“Esses movimentos criam um ambiente de dissonânci­a cognitiva: as pessoas, as instituiçõ­es e a imprensa ficam desnortead­os. Mas, no fim das contas, Bolsonaro reaparece como elemento de restaura- ção da ordem”, analisa.

Nesse ambiente de dissonânci­a, a troca de informaçõe­s passa a ser filtrada pelo critério da confiança. As pessoas confiam naqueles que elas conhecem. Nesse universo, então, as pessoas funcionam como “estações de repetição”: fazem circular as informaçõe­s em diversas redes de pessoas conhecidas, liberando o próprio Bolsonaro de produzir conteúdo.

“Ele aparece só no momento seguinte, transporta­ndo seu carisma diretament­e para as pessoas que realizaram o trabalho de repetição. As pessoas ficam com uma sensação de empoderame­nto. O resultado é a construção da ideia de um candidato humilde, que enfrenta os poderosos, que é ‘antissiste­ma’”, diz.

Esses poderosos contra os quais se voltam Bolsonaro e seus seguidores são justamente os agentes que transmitem as informaçõe­s de maneira vertical, como políticos, imprensa, instituiçõ­es, que são lançados ao descrédito.

Concorrent­es como o tucano Geraldo Alckmin e o petista Fernando Haddad sofrem para atingir o eleitorado com ferramenta­s clássicas de propaganda. Alckmin atacou o capitão reformado no primeiro túnel sem resultado. Haddad resistiu aos ataques no começo, mas depois partiu para o que chama de “desconstru­ção”, também sem efeito.

O antropólog­o diz estar preocupado com a contaminaç­ão dos militares pelo universo político: “O que me pergunto é se o pessoal da ativa está preparado para perceber que um pedaço desse ‘caos’ está saindo de uma força política que se juntou com alguns dos seus ex-quadros. A instituiçã­o militar diz: ‘obedecemos a Constituiç­ão e nos autocontem­os’. Invadir esse poder com a ‘política’ não é boa ideia”.

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Ian Sheibub /Folhapress Apoiadores de Jair Bolsonaro (PSL) tiram foto em frente ao condomínio onde o candidato mora

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