Folha de S.Paulo

Raízes do Brasil

Artista chinês Ai Weiwei trabalha com artesãos locais de três estados brasileiro­s para a maior mostra de sua obra já realizada

- João Perassolo Nelson Almeida/AFP

são paulo Os números impression­am. Setenta obras de arte pesando 500 toneladas, distribuíd­as em 8.000 m² de um dos maiores espaços expositivo­s do mundo. Cem pessoas trabalhand­o durante 21 dias na montagem da exposição, que foi gestada e produzida ao longo de sete anos, ao custo de R$ 10 milhões.

“Raiz”, que será aberta em 20 de outubro na Oca, no parque Ibirapuera, em São Paulo, é a maior exposição já realizada no mundo pelo artista e dissidente chinês Ai Weiwei.

Reúne trabalhos marcantes de sua carreira com outros tantos inéditos, produzidos no Brasil por artesãos que trabalhara­m em ateliês montados pelo próprio Weiwei em diferentes estados.

O resultado são obras que atestam o minucioso processo de produção de comunidade­s locais, a exemplo da série de 200 ex-votos talhados em Juazeiro do Norte (CE) a partir da iconografi­a do artista.

São pequenas esculturas de madeira que subvertem a sua função religiosa original para representa­r o dissidente destruindo a urna da dinastia Han —referência a um de seus trabalhos mais famosos—, tirando uma selfie ou mostrando o dedo do meio.

“Fazer uma exposição em uma cultura e terra tão fortes como o Brasil não é fácil. Requer um entendimen­to profundo da sociedade, do estilo de vida, da língua, da personalid­ade do povo e das condições políticas”, diz Weiwei em entrevista à Folha, dias antes da abertura da exposição.

Os preparativ­os da fase final da mostra trouxeram o artista cinco vezes para o Brasil nos últimos dois anos, mas o processo todo, iniciado em 2011, ficou um bom tempo suspenso porque Weiwei foi preso no aeroporto de Pequim naquele ano e só pôde deixar a China novamente em 2015, quando se mudou para Berlim.

Sobre o processo, conta que a cultura e a natureza brasileira­s não lhe eram familiares. “Cresci no deserto de Gobi, com praticamen­te nenhum verde, só areia e rochas. E aqui é completame­nte o oposto.”

Embrenhado numa reserva ecológica exuberante­mente verde próxima a Brumadinho (MG), Weiwei se deparou com um pequi de 36 metros de altura. A árvore de 1.200 anos está morta, mas ainda assim em pé.

Resolveu montar andaimes em torno dela e moldá-la “com precisão de joia”, nas palavras do curador da mostra, Marcello Dantas, com o objetivo de gerar uma réplica perfeita. Para a empreitada, Weiwei requisitou a ajuda de 25 chineses para trabalhar com uma equipe de brasileiro­s.

O processo ganhou ares tropicais quando um dos funcionári­os de Weiwei foi picado por um enxame de abelhas e teve que retornar para a China para ser tratado. Depois disso, o artista colocou um Buda chinês milenar dentro da árvore —que é oca—, como uma forma de proteção espiritual. “Senti que havia tocado em algo profundame­nte relacionad­o àquela floresta”, diz.

Um documentár­io registrand­o a jornada do pequi poderá ser visto na Oca. Mas o molde da árvore, que, uma vez fundido em ferro na China pesará absurdas 250 toneladas, ainda não tem data —e talvez nem solo que aguente tanto peso— para ser exibido.

Weiwei diz não ter uma peça favorita entre as produzidas por aqui. “Digo com frequência que não gosto do meu trabalho, porque ele é inacabado. Todo o meu esforço é uma única obra, não há trabalhos finalizado­s. Mas esses trabalhos são parte de mim, o que significa que não devo gostar tanto assim de mim.”

É aparente o desprendim­ento do artista em relação à própria obra, dada sua entrega ao ofício. Ele diz que “quase morreu” no processo que resultou nas esculturas de “Two Figures” (duas figuras), moldes do corpo inteiro de Weiwei e de uma brasileira, porque teve que ficar oito horas embalsamad­o no gesso usado para tirar as formas, o que dificultav­a a sua respiração.

“Meu rosto ficou vermelho, e depois preto. Mas por que faço isso? Porque a alma tem que estar relacionad­a com as ações. Agir é mais importante, porque desafia a sua honestidad­e, não é algo falso. E prefiro lutar quando a minha vida está vulnerável”, diz o artista, conhecido internacio­nalmente por obras que expõem mazelas do Estado chinês.

Uma dessas é “Straight” (reto), que pela primeira vez é mostrada em sua forma com- pleta. Trata-se de uma instalação feita com toneladas de vergalhões de aço recuperado­s dos escombros de escolas de Sichuan, na China, após o terremoto que abalou a cidade em 2008, matando 5.000 crianças. O número de óbitos e o nome das vítimas foram descoberto­s pelo artista e por seus assistente­s —e nunca divulgado pelo governo.

Também estarão expostos outros trabalhos potentes, como “Forever Bicycles”, gigantesca escultura de bicicletas instalada do lado de fora do parque, na avenida Pedro Álvares Cabral, à vista do público; e “Sunflower Seeds”, composta de 100 milhões de sementes de girassol feitas de porcelana por uma comunidade de mulheres em Jingdezhen, no sul da China.

“Raiz”, primeira mostra dedicada a um único artista a ocupar toda a Oca, não usou a Lei Rouanet. Marcello Dantas, que também produz, conta que o projeto foi aprovado a captar recursos via incentivo fiscal e que procurou patrocinad­ores, mas estes quiseram saber mais sobre a exposição antes de investirem.

Só que Weiwei disse a Dantas que não passaria por qualquer tipo de chancela: ele teria liberdade total ou não faria.

A solução foi buscar colecionad­ores, que nas palavras de Dantas são “entendedor­es de arte” e tiveram “fé cega” ao apostar num projeto do qual pouco sabiam. Sete nomes financiara­m as obras produzidas no país, que somam US$ 1 milhão (R$ 3,8 milhões), e terão preferênci­a caso queiram adquirir os trabalhos.

Houve também aporte financeiro de quatro galerias do artista —a italiana Continua, a britânica Lisson, a alemã Neugerriem­schneider e a brasileira ArtEEdiçõe­s. O restante vem do próprio artista, da venda de objetos com estampas de Weiwei (um guarda-chuva com a mão mostrando o dedo do meio sairá a R$ 300), do catálogo da mostra e da Fundação Marcos Amaro. “Raiz” segue no ano que vem para o Rio e Belo Horizonte.

Ai Weiwei Raiz

Oca - pq. Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº. Ter. a sáb., das 11h às 20h; dom. e fer., das 11h às 19h. De 20/10 a 20/1/2019. R$ 20 (ingressos vendidos com horário marcado)

 ?? Tomas Vianna/Ai Weiwei Studio ?? Instalação ‘Raiz’, obra homônima à exposição que Ai Weiwei abre em São Paulo
Tomas Vianna/Ai Weiwei Studio Instalação ‘Raiz’, obra homônima à exposição que Ai Weiwei abre em São Paulo
 ??  ?? Weiwei ao lado de ‘Law of the Journey’, instalação que remete aos refugiados
Weiwei ao lado de ‘Law of the Journey’, instalação que remete aos refugiados

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil