Folha de S.Paulo

Forças ocultas vão ter de se moderar, afirma Giannotti

Professor de filosofia diz que não se governa com ameaças e que vitória de Bolsonaro levará conservado­res a moderação

- Divulgação

O professor de filosofia José Arthur Giannotti diz que as eleições trouxeram para a política as forças ocultas, que terão de se moderar. “Você não governa com ameaças.” Para ele, caso Jair Bolsonaro ganhe, os conservado­res terão de se civilizar.

A eventual eleição de Jair Bolsonaro (PSL) vai jogar conspirado­res e golpistas na dança política, afirma José Arthur Giannotti, 88, um dos mais influentes professore­s de filosofia do país, que já deu aulas na USP, da qual se aposentou, e na Universida­de Columbia, em Nova York.

E essa é uma boa notícia, segundo ele. “A grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas”, disse à Folha. “Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem se mostra publicamen­te como bandido. Eles serão obrigados a se civilizar.”

Um dos primeiros intelectua­is a dizer que os tucanos caminhavam para a morte, em 2014, Giannotti afirma que não há chance de renascimen­to do PSDB, partido do qual já foi considerad­o um ideólogo informal. Mas defende que um partido de centro é essencial. “Para conter o discurso e a prática velha do PT. E para conter essa onda que acredita na violência pela violência.”

Ele elogia o desmonte do sistema político provocado pela onda conservado­ra por achar que ela abrirá a estrutura extremamen­te fechada. Ele nem esperou o repórter perguntar para começar a falar.

Nós estávamos numa negação política. O Congresso fechado nele mesmo, armado para se reproduzir. O governo isolado, incapaz de enfrentar as crises econômicas e sociais. Estávamos num fechamento total. E a Lava Jato denunciand­o, num processo jurídico-político, na medida em que atua juridicame­nte mas com intenções políticas. Sua intenção é jogar uma bomba atômica no processo político.

Por que a polaridade PT-PSDB foi varrida?

Foi varrida porque ao PSDB faltaram lideranças, faltou se renovar. Quando você chega ao [João] Doria, que é pura aparência, é o fim. Nós vivemos numa sociedade do espetáculo, mas com o Doria você só tem espetáculo, não tem conteúdo político. O PSDB ficou dividido entre o Alckmin e o Doria. Do outro lado, o PT levou o país a uma recessão brutal por causa de uma série de equívocos econômicos. Esta eleição recupera e amplia 2013 [movimento contra alta de tarifas de transporte que depois começou a questionar a agenda dos partidos e a eficiência do Estado].

O que o sr. achou do resultado das eleições?

Estou contente porque esse movimento antidemocr­ático, que é profundo e ocorre no mundo inteiro, representa o capitalism­o atual, que é o capitalism­o de conhecimen­to. Isso exige uma universida­de que faça pesquisa, e o lulismo transformo­u a universida­de num processo de ascensão social: você sai de secretária 3 para secretária 1. Os tucanos também fizeram isso em SP.

A eleição trouxe essa violência toda para o jogo político. Nós temos uma violência insustentá­vel: morre mais gente aqui do que na guerra da Síria. A eleição foi um banho de soda cáustica revelando as

nervuras da real luta política.

Essa onda conservado­ra tem relação com a violência?

Evidente. Mas é também uma reação violenta. Não esqueça também que o PT achava todo mundo que não fosse petista um canalha, golpista. A violência na política não está apenas no lado fascista, mas está do lado do populismo. Ao trazer a violência para a disputa, você traz inclusive os milicos para a política. Em vez de ficarem conspirand­o entre eles, uma parte da conspiraçã­o vai para a política. Porque a conspiraçã­o vai continuar.

Há perigo de golpe? Esse perigo diminuiu. Agora tem menos risco de golpe porque as pessoas que eram golpistas encapuzada­s passaram a ser golpistas dentro da dança política. Viraram parte da instituiçã­o. O golpe pode vir no impeachmen­t do Bolsonaro. Em seis meses ele não vai ter essa aprovação que tem porque não vai resolver a crise econômica. Está todo mundo assustado, mas o resultado é bom.

Não há razão para susto? Pelo contrário. Temos que fincar as nossas razões democrátic­as e começar a combater as causas dessa violência toda. O país está se preparando para sair da crise com cresciment­o de 1,5%, como se estivéssem­os no século 19. Quais são essas causas? O petismo imaginou que existia um capitalism­o brasileiro com caracterís­ticas diferentes do mundial. Isso não dá num capitalism­o de conhecimen­to.

O PSDB pode renascer? Não. O fundamenta­l é que renasça o centro. Porque não existe política sem centro. Para conter o discurso e a prática velha do PT. E, por outro lado, para conter essa onda que acredita na violência pela violência.

Por que o voto nos extremos?

O eleitor foi para os extremos porque ele raivosamen­te se apegou às promessas do PT, que foram frustradas. Essa raiva faz parte da tradição política, mas ela piorou. Nunca vi tanta violência, nem em 1964. Porque agora há muito ódio. E a violência está dos dois lados. Muitas vezes os que são contra Bolsonaro têm uma violência bolsonaris­ta.

Há outras razões para o voto nos extremos?

Há. O eleitor vive num mundo violento e acha que só a violência resolve. Para acabar com a violência, ele acha que é bandido na cadeia ou morto. Isso não funciona no mundo real. Você só resolve isso criando instituiçõ­es democrátic­as. Você tem de criar empregos, tem de esclarecer como será a reforma da Previdênci­a e acabar com vantagens.

Quais vantagens? As vantagens do funcionali­smo, como auxílio-moradia. Quando você tira as vantagens, dizem que estão tirando direitos. Desculpe, mas estão tirando vantagens. Sou beneficiár­io disso também. Todos nós tivemos aposentado­ria integral na USP. Eu me lembro quando estava construind­o esta casa, eu peguei o [o filósofo francês Michel] Foucault e ia levá-lo para a faculdade [de Filosofia], mas tive que passar na obra. O Foucault perguntou: “Você tem bens pessoais, herança? Porque um professor na França jamais faria uma casa desse tipo”. Todo mundo tinha esses privilégio­s na USP. Há benefícios para militares, professore­s e juízes que nenhum país do mundo tem. Isso tem de acabar.

A grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas. Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem se mostra publicamen­te como um bandido. Eles serão obrigados a se civilizar. Não dá para ter também um país tão pobre. Isso não é mais tolerável.

Dá para pacificar o país? Bolsonaro ataca mulheres, negros, gays e indígenas. Isso significa um retrocesso comportame­ntal ou ele fala por um Brasil que é conservado­r mesmo?

Uma parte do país é conservado­ra. Mas esse discurso é uma estratégia, uma forma de se mostrar como durão. Isso pode ter repercussõ­es muito ruins. Uma coisa é um deputado dizer que não estupra uma deputada porque ela é feia. Se um presidente disser isso, sofre impeachmen­t. Esse comportame­nto é inaceitáve­l para um presidente. Ou ele muda ou cai. Na eleição tínhamos que escolher entre duas crises.

Quais? A crise que vem junto com Bolsonaro, com violência e não democracia, ou o impeachmen­t por estelionat­o eleitoral do PT. Tudo indica que, pelo plano de governo que o Lula tinha montado, não daria para cumprir as promessas. O Brasil está encalacrad­o e só vai desatar quando o sistema político ficar mais moderno e democrátic­o. Antes estava inteiramen­te fechado. Agora desarrumou tudo. Que bom!

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Cena de ‘Infiltrado na Klan’
 ??  ?? JOSÉ ARTHURGIAN­NOTTI, 88Professo­r aposentado de filosofia da USP, também deu aulas na Universida­de Columbia, em Nova York. Fundou, junto com o expresiden­te FHC, o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to) em 1969. O centro de pesquisas era composto por professore­s perseguido­s pela ditadura
JOSÉ ARTHURGIAN­NOTTI, 88Professo­r aposentado de filosofia da USP, também deu aulas na Universida­de Columbia, em Nova York. Fundou, junto com o expresiden­te FHC, o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to) em 1969. O centro de pesquisas era composto por professore­s perseguido­s pela ditadura

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