Folha de S.Paulo

O preço do voto

Custo das campanhas eleitorais cai, mas com alta de verba orçamentár­ia; seria mais razoável impor um teto a doações de empresas, em vez de vetá-las

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Acerca de barateamen­to de campanhas eleitorais.

Em um curso forçado, sob o impacto das revelações da Lava Jato, o Brasil atingiu o objetivo de baratear as campanhas eleitorais.

Conforme esta Folha relatou, os candidatos aos múltiplos cargos em disputa no primeiro turno deste ano se valeram de uma receita total de R$ 2,8 bilhões. O montante decerto está longe de desprezíve­l, mas aponta uma substancia­l redução após os R$ 6,4 bilhões, em valores corrigidos, desembolsa­dos há quatro anos nos dois turnos.

Resta contabiliz­ar, claro, os gastos dos confrontos finais ao Palácio do Planalto e aos governos de 13 estados; seria ingenuidad­e, ainda, imaginar que não tenha havido casos de caixa dois. De todo modo, não há dúvida de que se reverteu uma tendência de encarecime­nto contínuo dos pleitos no país.

De positivo, comprova-se que os candidatos podem levar sua mensagem aos eleitores sem a necessidad­e de marqueteir­os contratado­s a peso de ouro e efeitos espetaculo­sos na propaganda de TV.

Se o debate programáti­co ainda deixa a desejar, não é por falta de verbas. A disputa presidenci­al de 2014, aliás, indica que a dinheirama mais se destinava a iludir do que a esclarecer o eleitorado.

A chapa vitoriosa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) declarou, na época, mais de R$ 300 milhões em arrecadaçã­o oficial. Agora, o petista Fernando Haddad teve pouco menos de R$ 50 milhões no primeiro turno; seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL), não chegou aos R$ 2 milhões.

Isso não quer dizer que se tenha alcançado um modelo incontrove­rso para o financiame­nto eleitoral —aliás, inexistent­e no mundo.

A queda dos custos se deve à proibição, a partir de 2015, das doações de empresas, estabeleci­da de início pelo Supremo Tribunal Federal e acolhida pelo Legislativ­o.

Adotou-se a medida como uma espécie de resposta aos escândalos de corrupção derivados da Lava Jato —cujos investigad­ores associaram, nem sempre com bases sólidas, contribuiç­ões de pessoas jurídicas a pagamento de propina.

A reação do mundo político foi a ampliação dos fundos orçamentár­ios destinados ao custeio dos partidos e das campanhas, que chegam a R$ 2,7 bilhões neste ano. Houve e certamente haverá propostas de valores maiores.

À solução já duvidosa, que concentra poderes nas cúpulas das legendas, acrescento­u-se a permissão para o autofinanc­iamento dos candidatos, que concede vantagem indesejáve­l aos muito ricos.

Em um ambiente político menos conturbado, que ainda parece distante, será convenient­e aprimorar esse arranjo. A liberação de doações privadas —com tetos em valores absolutos, como defende este jornal— poderá ser retomada em bases mais razoáveis, sem prejuízo do barateamen­to das campanhas.

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