Folha de S.Paulo

Prevenção secundária

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

A democracia é vulnerável a ameaças que venham de dentro. Essa é só uma de suas muitas imperfeiçõ­es. E é difícil mudar isso, porque, para fazê-lo, teríamos de relativiza­r caracterís­ticas fundamenta­is do sistema, como a soberania do voto popular e a possibilid­ade de o Congresso Nacional aprovar emendas constituci­onais e leis que alterem as regras de funcioname­nto do Estado.

A provável eleição de Jair Bolsonaro (PSL), estou convencido, representa um risco. Há bastante exagero na visão daqueles que equiparam automatica­mente a vitória do capitão reformado à morte da democracia, mas seu histórico de declaraçõe­s destrambel­hadas nos dá razões para genuína preocupaçã­o.

O que saiu errado? Eu diria que a prevenção primária falhou. Fossem as nossas instituiçõ­es democrátic­as um pouco mais hígidas, seria praticamen­te impossível para um partido político nanico como o PSL fazer um presidente. E nenhuma das siglas “mainstream” jamais daria legenda a alguém como Bolsonaro. Não chego a afirmar que o eleitorado nunca escolheria um populista sem o menor preparo para o cargo porque sabemos, desde Platão, que o povo, mesmo quando instruído e bem alimentado, pode fazer grandes barbeirage­ns diante da urna.

A confirmar a eleição de Bolsonaro, só o que nos restará é a prevenção secundária, que é a que lida com doenças já instaladas e, através do diagnóstic­o e do tratamento precoces, procura evitar que elas passem da fase assintomát­ica para a sintomátic­a.

Em português claro, isso significa que precisarem­os estar atentos para bloquear democratic­amente ab ovo as iniciativa­s bolsonaria­nas de maior potencial democratic­ida. Para tanto, temos Congresso, Justiça, vários órgãos de Estado formados por burocracia­s estáveis e a própria opinião pública, que hoje parece estar majoritari­amente com o capitão, mas que já deu mostras de que é volúvel e sabe cobrar de seus governante­s.

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