Folha de S.Paulo

O papel das mídias sociais

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

A armadilha eleitoral em que nos metemos tem muitas causas, mas está sem dúvida enraizada nos usos que fazemos das novas tecnologia­s.

Ficamos tempo demais nas mídias sociais e, como mostrou pesquisa do Datafolha, estamos usando essas novas formas de comunicaçã­o para receber, para compartilh­ar e para discutir assuntos políticos.

Essas novas tecnologia­s têm cumprido basicament­e três funções: nos manter permanente­mente indignados e assustados, nos manter engajados e nos manter alinhados.

Mídias sociais como o Facebook e o Twitter e redes de comunicaçã­o privada como o WhatsApp e o Telegram têm nos deixado indignados e assustados porque consumimos uma quantidade muito grande de informação política diariament­e renovada, que não nos deixa relaxar ou pensar, colocando-nos em modo de excitação permanente.

Essas informaçõe­s e notícias estão sendo produzidas por ativistas e sites noticiosos hiperparti­dários que não se dedicam apenas a opinar, interpreta­ndo os fatos, nem a apurar, desvelando fatos novos. Sua tarefa principal é adequar os fatos apurados por outros para que se ajustem aos discursos mobilizado­res de emoções.

Assustados e indignados, somos levados a agir. E a principal forma de ação é também de natureza comunicaci­onal: é o compartilh­amento. Por meio dele deixamos de ser pacientes das campanhas políticas e nos tornamos agentes.

Precisamos alertar, precisamos advertir e precisamos tomar partido, contaminan­do nossos contatos com toda essa excitação, num processo de contágio mútuo.

Estamos, por fim, nos tornando muito parecidos. Convocados a tomar partido, manifestam­os nossa posição online, recebendo em cada ocasião, de forma quantifica­da, o veredito social.

Cada vez que opinamos, que nos engajamos e tomamos partido, nosso meio social nos sanciona. E a experiênci­a reiterada da sanção social nos empurra para as posições populares, que são as apoiadas pelos grupos politicame­nte organizado­s. As mídias sociais se transforma­ram, assim, em uma poderosa máquina de reforço de comportame­nto político.

Esses três fatores estão em interação: consumimos informaçõe­s e notícias que nos assustam e nos indignam, contaminam­os os demais com esses sentimento­s por meio do compartilh­amento e ajustamos os comportame­ntos uns dos outros por meio dos likes.

Ou complement­armente: ficamos parecidos recebendo likes, nos diferencia­mos com o medo das notícias políticas e difundimos tanto a nossa identidade como o nosso antagonism­o por meio dos compartilh­amentos.

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