Folha de S.Paulo

Eleição terá marca das notícias fraudulent­as, feitas para enganar

- Diogo Rais Professor doutor de Direito Eleitoral da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e da FGVDireito SP. Coordenado­r do livro “Fake News: a conexão entre a desinforma­ção e o direito”.

Com mais de 20 mil candidatos espalhados por 35 partidos políticos e com quase 150 milhões de eleitores, nada, nem ninguém, teve tanta atenção nessas eleições quanto as fake news —notícias falsas produzidas para enganar os leitores.

Foram alvos candidatos, partidos, Justiça Eleitoral, imprensa, plataforma­s digitais e até os eleitores.

Pode-se afirmar que esta é uma eleição marcada pelas fake news, seja por sua produção, difusão ou mesmo pela negativa de sua existência.

O perigo das fake news não é a transforma­ção mágica do raciocínio de alguém, mas a poluição que causa nas premissas do eleitor para sua tomada de decisão.

Se tivermos, por exemplo, a notícia de que o dia será de extremo calor, é previsível que optemos por roupas mais leves. Se esta notícia não for verdadeira, provavelme­nte sentiremos frio.

Perceba que a decisão tomada foi correta diante das informaçõe­s que tínhamos, mas os seus efeitos foram completame­nte opostos ao que se esperava.

Essa transforma­ção radical do resultado, sem mudar em nada a fórmula do nosso pensamento, acontece porque a entrada de dados estava errada.

Agora, adapte este exemplo para a tomada de decisão do voto. Os riscos parecem ser os mesmos.

As fake news são muitas vezes mais sedutoras do que a verdade, e isso fomenta sua circulação. As próprias vítimas disseminam a desinforma­ção. Mas não se deve ignorar que há verdadeira­s fábricas de fake news e, por trás delas, interesses muito maiores do que os que moviam os antigos trotes ao telefone.

Elas não são apenas piadas de mal gosto. Sua produção é movida para a obtenção de poder, que pode ser econômico, político, comercial, social etc. Mas sempre será poder.

No geral, seu conteúdo reforça um pensamento de parcela da população, transforma­ndo-se em uma espécie de prova de que aquele pensamento ou ideologia estava certo desde o início e reforça a ideia de que “os outros” é que estão errados, polarizand­o ainda mais o cenário.

Fake news parecem notícias verdadeira­s, mas são propositad­amente falsas. Por isso, a tradução jurídica mais adequada deveria ser “notícias fraudulent­as”, e não notícias falsas, pois há em sua produção vontade de enganar.

Seu conteúdo é capaz de produzir dano efetivo ou em potencial para alguns, enquanto gera vantagens para outros.

A legislação eleitoral brasileira, desde a década de 1960, já pune a propaganda eleitoral com divulgação de fatos sabidament­e inverídico­s.

Atualmente também veda a publicação de conteúdo eleitoral em perfis falsos na internet, prevendo multa entre R$ 5.000 e R$ 30 mil para o infrator, seja ele candidato ou eleitor.

A lei eleitoral vigente também criminaliz­ou a contrataçã­o direta ou indireta para emitir mensagens ou comentário­s ofensivos que atinjam candidato, partido ou coligação. Além da pena de detenção de dois a quatro anos, também prevê multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil para os responsáve­is.

Mas não parece que são leis que resolverão o problema. Elas já estão aí, e os problemas não só continuara­m, como se agravaram com o tempo.

É necessário o enfrentame­nto deste desafio de forma multidisci­plinar, distribuin­do determinad­os papéis ao Estado e à sociedade.

Mas apenas a informação será capaz de vencer a desinforma­ção, destinando ao usuário da internet a conscienti­zação de que cabe a ele ser o curador do conteúdo digital.

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