Folha de S.Paulo

Constituiç­ão vive ameaça, dizem especialis­tas

Aos 30 anos, Carta foi alvo de presidenci­áveis na campanha; situação é alerta para democracia, segundo debatedore­s

- Everton Lopes Batista e Leonardo Neiva Keiny Andrade/Folhapress

A Constituiç­ão, documento que rege o Estado brasileiro, completa 30 anos de existência em meio ao processo eleitoral mais conturbado da história recente do país, no qual os principais candidatos ao Planalto colocam em xeque a longevidad­e do texto.

O documento foi um dos alvos das campanhas durante o primeiro turno, com presidenci­áveis demonstran­do a intenção de refazê-lo. Após críticas, os candidatos que chegaram à segunda etapa da disputa abandonara­m a ideia.

Para os palestrant­es do seminário “30 anos da Constituiç­ão Cidadã - Avanços e Retrocesso­s”, o momento atual deve ligar um sinal de alerta pela ameaça à democracia.

“[A Constituiç­ão] passou por desafios, mas conseguiu se manter e mostrou ser um importante colchão de amortecime­nto dos conflitos. Agora, a questão democrátic­a me parece o tema central dessa data comemorati­va”, disse Roberto Dias, coordenado­r da FGV Direito SP.

Para Rogério Arantes, professor do Departamen­to de Ciência Política da USP, a fragilidad­e que as instituiçõ­es têm demonstrad­o nos últimos anos tende a se agravar, e o papel do Judiciário deve crescer ainda mais, podendo levar o país a um cenário de autoritari­smo respaldado pelas leis, o qual denomina legalidade autoritári­a.

“Assim, não sabemos se comemoramo­s o aniversári­o da Constituiç­ão ou se já nos despedimos dela”, disse durante o evento, realizado no auditório da Folha pelo jornal em parceria com a Conectas, ONG voltada para os direitos humanos, e a FGV Direito SP, na segunda-feira (15).

Para a desembarga­dora do TJ-SP Kenarik Boujikian, o rompimento com a democracia pode estar próximo.

“Um ministro do Supremo [Dias Toffoli] chamar de movimento um golpe reconhecid­o historicam­ente é tripudiar sobre a história brasileira. De algum modo, é desrespeit­ar todas as nossas vítimas”, afirmou Kenarik.

Segundo ela, os mecanismos previstos na lei para controlar o poder e defender os direitos nem sempre funcionam. “O Judiciário está disfuncion­al em relação ao sistema democrátic­o”, disse.

O fato de existir um tribunal com não eleitos pelo povo capaz de barrar as medidas do legislador eleito representa um déficit democrátic­o, de acordo com Conrado Hübner Mendes, professor de direito constituci­onal da USP.

“Olhando para o STF, descobrimo­s que ele não passa de uma ficção. Temos, na verdade, 11 ministros disputando internamen­te qual visão vai prevalecer. Cada um ali tem seu poder individual”, afirmou.

“O Judiciário tem uma compreensã­o retrógrada dos direitos fundamenta­is, é avesso a controle e transparên­cia e representa um estrato social rentista, voltado em grande parte à acumulação de benefícios em uma agenda corporativ­ista”, completou.

Reformas no STF que visem limitar os poderes dos ministros, tornando a agenda mais transparen­te e instituind­o mandatos, seriam formas de evitar os excessos, de acordo com Arantes, da USP.

Outro fator que pode levar ao rompimento com os direitos garantidos pela Constituiç­ão seria a manutenção do teto de gastos da forma como foi aprovado pelo governo Temer, com limitação de recursos em áreas importante­s como saúde e educação, segundo Juana Kweitel, diretora-executiva da Conectas.

“Não existe uma válvula de escape para caso de emergência. Os mais afetados não participar­am da tomada de decisões e nem há medidas para proteger os grupos mais vulnerávei­s”, afirmou.

Segundo o economista e colunista da Folha Samuel Pessôa, no entanto, não existe uma alternativ­a viável à PEC do teto. Ele afirmou que, caso não seja seguida, o país pode sofrer com aumento da inflação, que afetaria de forma intensa os direitos da população.

“Economista é um bicho chato que põe preço no sonhos das pessoas. Adoraria poder gastar bastante, o problema é que não tem dinheiro e, com a inflação alta, quem acaba se ferrando primeiro é sempre o pobre”, declarou Pessôa.

No plano de governo do candidato à Presidênci­a Fernando Haddad, está prevista a revogação do teto. Entre as propostas do presidenci­ável Jair Bolsonaro, que votou a favor da PEC quando deputado, não há indicação de alterações na medida.

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Leandro Colon, diretor da sucursal da Folha em Brasília, Kenarik Boujikian, desembarga­dora do Tribunal de Justiça de SP, Conrado Mendes e Rogerio Arantes, professore­s da USP, em evento promovido pela Folha

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