Juízes do STJ desistem de viagem a Portugal bancada por empresas
Principais conferencistas brasileiros de um seminário em Portugal, os ministros Humberto Martins e Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, tiveram seus nomes retirados do programa às vésperas do evento iniciado nesta segunda (15).
A desistência foi confirmada após a Folha questionar despesas da viagem, que seriam pagas por escritórios de advocacia e empresas privadas.
Martins e Andrighi abririam os trabalhos do 1º Congresso Luso-Brasileiro do Direito de Insolvência, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entre os dias 15 e 17.
O congresso é promovido pelo Ibajud (Instituto Brasileiro de Administração Judicial), associação civil de direito privado que se apresenta como organização sem fins lucrativos. Ela é mantida por escritórios de advocacia, leiloeiros judiciais, pecuaristas, empresas do agronegócio, administradores judiciais e firmas de recuperação de créditos.
Martins desculpou-se pela ausência, citando compromissos na Corregedoria Nacional de Justiça durante a semana.
Já Andrighi deu 24 horas ao Ibajud para retirar seu nome da programação. No mesmo dia, foram apagadas as fotos dos dois ministros no site. A ministra viu uso indevido de seu nome porque avisara em agosto que não iria ao evento.
Quem a convidou foi a juíza Anglizey Solivan Oliveira, da Vara de Falências em Cuiabá (MT), uma das coordenadoras acadêmicas do Ibajud. No convite, ela informou que a ministra poderia “optar pela melhor data para sua viagem, companhia aérea, classe e acompanhante”. O CNJ não veda pagamento de passagens e hospedagem para magistrados conferencistas.
“Não concordo com essas viagens internacionais, especialmente durante o período em que devemos estar trabalhando”, afirmou a ex-corregedora Andrighi à Folha.
No ano passado, o Ibajud levou o ministro do STF Alexandre de Moraes e o juiz Newton de Lucca, do TRF-3, para dar palestras em curso de recuperação judicial em San Diego, na Califórnia (EUA).
Diante das ausências, o congresso de Lisboa será aberto com exposição de Henrique Ávila, do Conselho Nacional de Justiça, indicado em 2017 pelo Senado —ele informou que “não receberá passagens ou diárias do CNJ” e que participará como palestrante.
A atuação do Ibajud divide opiniões no Judiciário. O instituto forma novos administradores judiciais, que substituíram os antigos síndicos de massa falida. Mantém programas de reciclagem com universidades no exterior e se dispõe a contribuir para agilizar a recuperação de empresas num país com poucas varas especializadas em falências.
Alguns magistrados, contudo, veem o risco de uma reserva de mercado. Certificados do Ibajud, instituição privada, facilitariam a nomeação de administradores judiciais pelos juízes estaduais. Os mais críticos questionam eventual tráfico de influência e lobby.
“O Ibajud não oferece nenhum retorno de lobby aos seus patrocinadores. Todos os nossos patrocínios chegam voluntariamente por empresas e profissionais inseridos no ambiente da recuperação judicial do Brasil”, diz a advogada e empreendedora Rosely Cruz, fundadora do instituto.
Ela diz que o Ibajud “não recebe nem administra nenhum recurso público, não promove qualquer relação comercial, não advoga, não produz encontros de interesses nem conduz processos de recuperação judicial ou de falência”.