Vítimas de crimes de ódio na Alemanha mudam hábitos e planejam partida
Entidade registra aumento de ataques a não alemães após crime instigar protestos xenófobos
Os irmãos Uwe, 53, e Lars Ariel Dziuballa, 47, já estavam acostumados com ataques de neonazistas ao Schalom, restaurante judaico que administram em Chemnitz (leste da Alemanha). Em 18 anos, gastaram cerca de €40 mil (R$ 173 mil) repondo mesas, placas e holofotes, além de acumular cartas com frases como “judaísmo não é religião, é crime”.
Houve também a ocasião em que uma cabeça de porco talhada com uma estrela de Davi (o consumo de carne suína é proscrito pela Torá) foi deixada na porta.
Mas, desta vez, foi diferente. No rescaldo de um protesto anti-imigração que reuniu entre 6.000 e 8.000 pessoas no centro da cidade, um grupo de 12 percorreu o quilômetro que separa o ponto de encontro dos manifestantes do restaurante e, sob gritos de “saiam da Alemanha, judeus sujos!”, começou a atirar pedras, barras de ferro e garrafas na direção da casa. Um dos objetos acertou o ombro de Uwe, que saíra à calçada depois de ouvir o que pareciam ser tiros.
“Pela primeira vez, senti medo. Por causa disso, deixei de sair de casa de quipá [o chapéu usado pelos judeus] e, quando estou andando na rua, presto muita atenção ao que acontece na minha frente e atrás de mim”, afirma.
Localidade de 247 mil habitantes cujo nome era cidade de Karl Marx no período em que integrou a Alemanha Oriental, Chemnitz foi parar no noticiário no fim de agosto.
Ao redor de um busto monumental do ideólogo comunista, um coro de milhares — composto por neonazistas e hooligans de carreira mas também por cidadãos sem filiação com grupos extremistas— entoou por alguns dias palavras de ordem contra a política de acolhimento de refugiados da chanceler Angela Merkel, que só em 2015 abriu as portas para 1,1 milhão de estrangeiros.
Grupos isolados perseguiram, insultaram e atacaram quem não parecesse alemão. Houve também grandes atos em favor dos imigrantes.
A pequena convulsão social teve por gatilho o esfaqueamento e morte do carpinteiro alemão Daniel Hillig, crime pelo qual foram acusados um sírio e um iraquiano.
Muitas vítimas de crimes de ódio em Chemnitz mudam hábitos e refazem planos. A libanesa Rola Saleh, 40, assistente social em uma organização que auxilia solicitantes de asilo com traduções, trâmites e cursos, está nesse grupo.
Agredida ao filmar com o celular um dos protestos xenófobos, ela já sondou amigos em Hamburgo e Frankfurt sobre a possibilidade de hospedá-la. “Estou preocupada com a eleição estadual de 2019 na Saxônia [onde fica Chemnitz]”, diz, ressaltando o desempenho do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), nacionalista e anti-imigrante, nas eleições de 2017 —27% entre saxões, contra 12% no país.
Saleh lamenta o recrudescimento da islamofobia na região, fenômeno segundo ela turbinado pela omissão do poder público. “A cidade não faz nada de concreto para impedir a propagação do ódio. A direita nacionalista diz que os muçulmanos têm muitos filhos, que vão mudar a cultura e implantar a sharia [lei islâmica]. Trata todo estrangeiro como criminoso. Se sofro esse assédio moral, como vou me integrar à comunidade?”
A fala de Benjamin Jahn Zschocke, 32, porta-voz do Pro Chemnitz, um dos movimentos à frente dos atos contra refugiados, dá sustentação ao retrato pintado por Saleh.
“Não temos medo de imigrantes, mas sim do islã. Nosso principal foco hoje é protestar contra crimes cometidos por estrangeiros”, afirma, antes de se escudar contra alegações de associação e conivência com neonazistas.
“Cem idiotas no meio de milhares não são o problema. O problema é o silêncio da mídia sobre a violência perpetrada por imigrantes. Não somos a extrema-direita, somos a classe média, que, sob Merkel, só perdeu importância política”, completa Zschocke.
Para André Löscher, consultor da RAA, entidade que apoia vítimas de crimes de ódio, é justamente ao não se distanciarem da ala extremista que “cidadãos comuns” que tomam parte nesses protestos erram. No ano de 2017, a organização assinalou 15 ataques a não alemães. Em 2018, desde a morte de Hillig, houve cerca de 40. “As pessoas têm nos procurado para pedir conselhos sobre mudança para outras cidades”, conta. “O problema é que refugiados não podem sair do estado em que entraram com pedido de asilo.”