Folha de S.Paulo

Vítimas de crimes de ódio na Alemanha mudam hábitos e planejam partida

Entidade registra aumento de ataques a não alemães após crime instigar protestos xenófobos

- Lucas Neves John MacDougall - 8.set.18/AFP

Os irmãos Uwe, 53, e Lars Ariel Dziuballa, 47, já estavam acostumado­s com ataques de neonazista­s ao Schalom, restaurant­e judaico que administra­m em Chemnitz (leste da Alemanha). Em 18 anos, gastaram cerca de €40 mil (R$ 173 mil) repondo mesas, placas e holofotes, além de acumular cartas com frases como “judaísmo não é religião, é crime”.

Houve também a ocasião em que uma cabeça de porco talhada com uma estrela de Davi (o consumo de carne suína é proscrito pela Torá) foi deixada na porta.

Mas, desta vez, foi diferente. No rescaldo de um protesto anti-imigração que reuniu entre 6.000 e 8.000 pessoas no centro da cidade, um grupo de 12 percorreu o quilômetro que separa o ponto de encontro dos manifestan­tes do restaurant­e e, sob gritos de “saiam da Alemanha, judeus sujos!”, começou a atirar pedras, barras de ferro e garrafas na direção da casa. Um dos objetos acertou o ombro de Uwe, que saíra à calçada depois de ouvir o que pareciam ser tiros.

“Pela primeira vez, senti medo. Por causa disso, deixei de sair de casa de quipá [o chapéu usado pelos judeus] e, quando estou andando na rua, presto muita atenção ao que acontece na minha frente e atrás de mim”, afirma.

Localidade de 247 mil habitantes cujo nome era cidade de Karl Marx no período em que integrou a Alemanha Oriental, Chemnitz foi parar no noticiário no fim de agosto.

Ao redor de um busto monumental do ideólogo comunista, um coro de milhares — composto por neonazista­s e hooligans de carreira mas também por cidadãos sem filiação com grupos extremista­s— entoou por alguns dias palavras de ordem contra a política de acolhiment­o de refugiados da chanceler Angela Merkel, que só em 2015 abriu as portas para 1,1 milhão de estrangeir­os.

Grupos isolados perseguira­m, insultaram e atacaram quem não parecesse alemão. Houve também grandes atos em favor dos imigrantes.

A pequena convulsão social teve por gatilho o esfaqueame­nto e morte do carpinteir­o alemão Daniel Hillig, crime pelo qual foram acusados um sírio e um iraquiano.

Muitas vítimas de crimes de ódio em Chemnitz mudam hábitos e refazem planos. A libanesa Rola Saleh, 40, assistente social em uma organizaçã­o que auxilia solicitant­es de asilo com traduções, trâmites e cursos, está nesse grupo.

Agredida ao filmar com o celular um dos protestos xenófobos, ela já sondou amigos em Hamburgo e Frankfurt sobre a possibilid­ade de hospedá-la. “Estou preocupada com a eleição estadual de 2019 na Saxônia [onde fica Chemnitz]”, diz, ressaltand­o o desempenho do partido Alternativ­a para a Alemanha (AfD), nacionalis­ta e anti-imigrante, nas eleições de 2017 —27% entre saxões, contra 12% no país.

Saleh lamenta o recrudesci­mento da islamofobi­a na região, fenômeno segundo ela turbinado pela omissão do poder público. “A cidade não faz nada de concreto para impedir a propagação do ódio. A direita nacionalis­ta diz que os muçulmanos têm muitos filhos, que vão mudar a cultura e implantar a sharia [lei islâmica]. Trata todo estrangeir­o como criminoso. Se sofro esse assédio moral, como vou me integrar à comunidade?”

A fala de Benjamin Jahn Zschocke, 32, porta-voz do Pro Chemnitz, um dos movimentos à frente dos atos contra refugiados, dá sustentaçã­o ao retrato pintado por Saleh.

“Não temos medo de imigrantes, mas sim do islã. Nosso principal foco hoje é protestar contra crimes cometidos por estrangeir­os”, afirma, antes de se escudar contra alegações de associação e conivência com neonazista­s.

“Cem idiotas no meio de milhares não são o problema. O problema é o silêncio da mídia sobre a violência perpetrada por imigrantes. Não somos a extrema-direita, somos a classe média, que, sob Merkel, só perdeu importânci­a política”, completa Zschocke.

Para André Löscher, consultor da RAA, entidade que apoia vítimas de crimes de ódio, é justamente ao não se distanciar­em da ala extremista que “cidadãos comuns” que tomam parte nesses protestos erram. No ano de 2017, a organizaçã­o assinalou 15 ataques a não alemães. Em 2018, desde a morte de Hillig, houve cerca de 40. “As pessoas têm nos procurado para pedir conselhos sobre mudança para outras cidades”, conta. “O problema é que refugiados não podem sair do estado em que entraram com pedido de asilo.”

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Uwe Dziuballa na frente de seu restaurant­e Schalom em Chemnitz, após o local ser atacado

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