Folha de S.Paulo

MC Fioti bate recorde com funk inspirado em Bach

Clipe de ‘Bum Bum Tam Tam’ foi visto por mais de 1 bilhão de pessoas e ultrapasso­u marca que pertencia a Michel Teló

- Ricardo Kotscho

1.039.564.862 visualizaç­ões —e contando.

Essa é a cifra do marcador no YouTube que Leandro Aparecido Ferreira, 24, o MC Fioti, mostra orgulhoso em seu celular. E é isso mesmo: mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo já viram o vídeo que ele gravou em São Paulo com a música “Bum Bum Tam Tam”, um funk inspirado, quem diria, numa partitura para flauta em lá menor assinada por Johann Sebastian Bach.

“De onde surgiu e como é esse fenômeno global com cara de menino, que saiu das ruas do Capão Redondo para as grandes arenas musicais do mundo?”, pode perguntar quem nunca ouviu falar dele.

MC Fioti é de um lado do Brasil, o das comunidade­s mais carentes, que o outro Brasil não conhece, mas sabe quem foi Bach (MC é o acrônimo de mestre de cerimônias nos shows de funk).

Pois fiquem sabendo que ele acaba de voltar de uma turnê de 50 dias por 14 países pela Europa, em que atraiu públicos em torno de 100 mil pessoas, na Holanda, Suíça, França, Alemanha e por ali afora.

Sem nenhuma pinta de celebridad­e, a não ser os cabelos azulados em corte “degradée disfarçado” e os óculos Juliet da Oakley, Leandro pode ser confundido com qualquer funcionári­o da produtora RW, instalada numa casa na Vila Formosa, zona leste de São Paulo.

Chega pontualmen­te no horário combinado e vai logo para a sala de reuniões comer um cheese salada, a sua primeira refeição do dia, às três da tarde. Ali, ao lado do seu modesto staff, o produtor André Luis, chamado de Batata, e o gerente geral, Rodrigo Pereira, o R9, ele passou a tarde de segunda-feira lembrando como tudo começou, quando foi descoberto por Cocão, um “olheiro”, como são chamados os caçadores de talentos nas comunidade­s da periferia.

MC Fioti nasceu em Itapeceric­a da Serra, mas foi criado pela mãe, Lúcia Aparecida, empregada doméstica, no Jardim Eledy, nas beiradas do Capão Redondo, junto com cinco irmãos, numa casa humilde onde eles vivem até hoje.

Nunca viu o pai na vida, nem sabe o nome dele. Queria ser jogador de futebol e estudou só até o primeiro ano do ensino médio. Com 14 anos, descobriu a música ao ouvir o MC Zóio de Gato nas mesmas ruas onde jogava bola e o funk começou a ganhar espaço.

“O funk é como o pagode, surge na rua, o ritmo é dado nas palmas da mão. Vai juntando gente, começa a festa...”, conta Leandro, que era conhecido nas rodas como MC Oreia, em homenagem à sua orelha, bem avantajada.

Ri dele mesmo, e explica que o nome artístico MC Fioti veio depois, uma corruptela de Filhote, Filhotinho, como era chamado na infância.

Em 2015, foi apresentad­o por Cocão a R9, que já estava na RW, onde os dois ainda trabalham, e começou a grande virada na sua vida. Fioti já compunha e passou a fazer os arranjos das suas músicas, agora no comando de um sofisticad­o equipament­o MPC Akai 1000, em que criou o seu grande sucesso “Bum Bum Tam Tam”, lançado em 2016.

Para quem ouve a letra, fica difícil imaginar que começou com uma pesquisa na internet sobre músicas clássicas.

Foi assim: ”Eu tava com a ideia de fazer música em cima de uma flauta, uma música mais dançante, e aí apareceu a partitura do Bach”, relata, com a maior intimidade.

Era a “Partita em Lá Menor para Flauta Solo”. A parceria inimagináv­el entre o MC nativo, que sampleou a composição de Bach com uma batida original, e o grande compositor alemão resultou nesta letra: “É a flauta envolvente/ Que mexe com a mente/ De quem tá presente/ As novinha saliente/ Fica loucona/ E se joga pra gente.” O refrão é assim singelo: “Vai com o bum bum tam tam/ Vem com o bum bum tam tam/ Vai mexe o bum bum tam tam/ Vem desce com o bum bum tam tam”.

Entre as várias vertentes do funk, Fioti optou por músicas “mais românticas” para fazer o público dançar. Em lugar de ostentação, sacanagem ou violência, as letras procuram mostrar o empoderame­nto feminino, a força da mulher. Não por acaso, é casado com uma MC chamada Bela.

Gravado em 24 horas ininterrup­tas nos estúdios do produtor KondZilla, que tem seu próprio canal no YouTube, com mais de 40 milhões de assinantes, o vídeo levou pouco mais de um ano para chegar ao recorde brasileiro de um bilhão de visualizaç­ões no YouTube —o recorde anterior era de Michel Teló, que levou cinco anos para alcançar 800 milhões.

A produção mobilizou mais de 40 pessoas e custou apenas R$ 40 mil, com cenários e figurinos de uma festa das mil e uma noites. Depois do sucesso global, um show de MC Fioti não sai por menos de R$ 30 mil, algo que ele nem sonhava quando vivia de biscates e trabalhava para um ferro-velho.

Produtor, arranjador, intérprete e compositor, o MC ainda mora num apartament­o alugado, mas já chegou a dormir no chão do estúdio. Seu sonho é comprar uma casa grande para sua mãe, e dizer: “Antes, a senhora só entrava numa casa dessas para limpar, mas essa agora é sua, mamãe”.

Nos vídeos gravados em sua excursão pela Europa, milhares de vozes com diferentes sotaques faziam o coro na hora do refrão, mas o que Fioti mais gosta de mostrar no telão é a partitura original de Bach que garimpou no Youtube. “Fora do país, as entrevista­s que dei focaram nisso. Quem imaginava que um MC iria escutar ou conseguiri­a tirar algo do Bach? Foi a partir daí que começaram a dar um valor musical para o funk”.

Autor de mais de 50 músicas, com vários parceiros, MC Fioti já participou de programas na televisão, mas sua fama veio antes de ir ao Faustão. “A grande vitrine no mundo hoje é o YouTube, é a internet”.

Dos poucos luxos, não podem faltar pizza de calabresa e um uisquinho no camarim. Já não se fazem ídolos exigentes como antigament­e.

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Jorge Araújo/Folhapress O funkeiro MC Fioti, do Capão Redondo, que acaba de voltar de turnê pela Europa

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