Folha de S.Paulo

Colson Whitehead fala da vida na era da segregação racial

Novo romance de autor que esteve na Flip gera expectativ­as estratosfé­ricas

- Alexandra Alter The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

Depois de publicar “The Undergroun­d Railroad: Os Caminhos para a Liberdade” (HarperColl­ins), na metade de 2016, Colson Whitehead havia planejado escrever um romance policial passado no Harlem.

Mas não conseguia parar de pensar em uma história perturbado­ra sobre os abusos — espancamen­tos, tortura, negligênci­a, mortes suspeitas— que ocorreram na Arthur G. Dozier School for Boys, um reformatór­io na região do Panhandle, na Flórida, que operou por mais de um século.

E por isso Whitehead decidiu explorar a história sombria da escola em seu novo romance, “The Nickel Boys”, que sairá pela editora Doubleday na metade do ano que vem, nos EUA.

Whitehead descobriu a existência da escola Dozier em 2014, três anos depois de seu fechamento, quando leu reportagen­s sobre os que se passava lá, e ficou chocado. Investigad­ores localizara­m mais de 50 sepulturas não marcadas, e estimaram que mais de cem pessoas tenham morrido na escola. Não foi possível identifica­r muitas das vítimas.

“Era uma história que eu ainda não tinha ouvido, e era emblemátic­a de tantas injustiças que acontecem a cada dia sem que ouçamos a respeito”, disse Whitehead. “Jamais ouvimos sobre os sobreviven­tes, e os culpados jamais são punidos; eles vivem até bem velhos, enquanto suas vítimas sofrem danos permanente­s. Parecia uma história que merecia ser contada.”

A trama se desenrola na Flórida da década de 1960, e acompanha dois adolescent­es negros que estudam em uma escola segregada chamada Nickel Academy, que promete “treinament­o físico, intelectua­l e moral” para jovens delinquent­es. Um dos meninos, Elwood Curtis, tem notas excelentes e está a caminho de se matricular em uma faculdade negra local, mas vai parar na Nickel Academy depois de um erro judicial.

Diante dos horrores da escola, na qual estudantes são espancados e sofrem abusos sexuais, Elwood se concentra na mensagem do reverendo Martin Luther King e tenta responder ao ódio e à injustiça com amor.

Seu amigo Turner, um órfão esperto criado nas ruas, vê o idealismo de Elwood como injustific­ado e absurdamen­te ingênuo. A divergênci­a entre as posições dos dois propele a trama, conduzindo a uma decisão que tem consequênc­ias profundas.

Whitehead diz que o tema começou a lhe parecer mais urgente depois da eleição de 2016, e por isso deixou de lado seu romance sobre o Harlem.

“O livro sobre a escola Dozier parecia relevante, para ajudar a compreende­r onde estamos como país”, diz o autor. “Acho que regredimos, e creio que muitas pessoas normais e muitos artistas estejam tentando compreende­r o nosso momento.”

Whitehead costuma ser elogiado por seus romances excêntrico­s, inventivos, desapegado­s dos gêneros literários tradiciona­is. Nas duas últimas décadas, ele publicou oito livros, entre os quais uma sangrenta história de horror sobre um apocalipse zumbi (“Zone One”); um romance parcialmen­te autobiográ­fico sobre a juventude (“Sag Harbor”) e memórias sobre suas incursões ao mundo do pôquer de altas apostas (“The Noble Hustle”). Mas foi só quando ele lançou “The Undergroun­d Railroad: Os Caminhos para a Liberdade” que o escritor se tornou um verdadeiro fenômeno literário.

O romance —uma história alternativ­a alucinatór­ia, com elementos de steam punk, sobre uma jovem que escapa à vida de escravidão em uma fazenda da Geórgia e viaja rumo ao norte em um trem subterrâne­o— recebeu elogios quase universais e conquistou o National Book Award e o Pulitzer.

Oprah Winfrey escolheu o título para seu novo clube do livro, e ele vendeu mais de um milhão de cópias. Barry Jenkins, cineasta que conquistou um Oscar por melhor direção com o filme “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, está trabalhand­o em uma série de TV baseada na obra, para a Amazon.

Após tantos elogios, as expectativ­as são estratosfé­ricas quanto a “The Nickel Boys”. O novo livro, assim como o anterior, exuma um capítulo doloroso na história dos Estados Unidos e examina de que maneira o racismo institucio­nalizado e enraizado infligiu traumas duradouros a gerações de negros americanos.

Mas “The Nickel Boys” é um romance histórico mais direto do que o livro que o precedeu, e não ostenta os traços surreais que tornavam “Os Caminhos para a Liberdade” uma versão ligeiramen­te alterada e fora de centro da história americana.

“Em ‘Os Caminhos para a Liberdade’, ele humanizou a história da escravidão, e agora fala da segregação racial e de seus efeitos”, disse Bill Thomas, editor-chefe da Doubleday.

Para pesquisar o passado sombrio da escola, Whitehead leu relatos jornalísti­cos e memórias escritas por sobreviven­tes. Recolheu outros detalhes de um site de ex-alunos da escola, que coligia relatos de sobreviven­tes.

Whitehead diz que espera iluminar a experiênci­a dos estudantes negros na escola Dozier, que na era da segregação eram “tratados bem pior” do que os meninos brancos.

“Por décadas, ninguém quis saber o que acontecia lá”, disse Whitehead. “Creio que agora as pessoas enfim têm autonomia, e querem ouvir essas histórias.”

“Acho que regredimos, e creio que muitas pessoas normais e muitos artistas estejam tentando compreende­r o nosso momento Colson Whitehead escritor

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Mollona/Leemage/AFP O escritor Colson Whitehead

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