Apesar de Khashoggi, Trump não tem como romper com Riad
O desaparecimento (e provável morte) de Khashoggi é uma tragédia e um mistério. Também é sério golpe à política dos EUA no Oriente Médio.
Na medida em que o governo Trump tinha uma estratégia para a região, ela se concentrava na Arábia Saudita e na figura instável de MBS.
O príncipe herdeiro saudita deveria ser o homem que formaria uma aliança contra o Irã, faria a paz com Israel, enfrentaria o meio religioso em seu país e ajudaria a esmagar o Estado Islâmico. Segundo ele mesmo, também liberalizaria a sociedade saudita e transformaria a economia.
A centralidade da Arábia Saudita para a visão de mundo de Trump foi salientada quando o presidente fez sua primeira visita oficial no exterior a Riad. MBS formou relacionamento estreito com Jared Kushner, genro de Trump.
A ofensiva de charme de MBS foi além dos Trump. O príncipe cortejou famosos jornalistas ocidentais. Em uma viagem aos EUA, misturouse à realeza americana —Bill Gates, Mark Zuckerberg e Rupert Murdoch. No entanto, até parte do fã-clube do príncipe tinha reservas. MBS deveria ser considerado um visionário construtor de nações ou um déspota descontrolado?
Os que afirmavam que o líder saudita era, acima de tudo, perigoso tinham muitas evidências perturbadoras: a guerra no Iêmen; uma disputa com o vizinho Qatar; a prisão temporária do primeiroministro do Líbano; uma batida policial contra alguns dos empresários mais ricos do país; e a prisão de jornalistas e ativistas de direitos humanos.
Mas, apesar de tudo isso, o senso comum nas Chancelarias ocidentais continuou sendo que ele era “positivo”, embora um pouco impetuoso.
A decisão do príncipe de permitir que as mulheres dirigissem foi um golpe de mestre na batalha para influenciar a opinião pública mundial. Sua aliança tácita com Israel para conter o Irã também foi essencial para mantê-lo nas boas graças da Casa Branca.
Mas o aparente assassinato de Khashoggi modificou as atitudes ocidentais. O príncipe claramente falhou em compreender o potencial impacto de um ato tão brutal e ousado.
Diferentemente das famílias iemenitas vítimas das bombas sauditas, Khashoggi tinha uma coluna no The Washington Post. A mídia americana está em polvorosa e o Congresso ameaça impor sanções.
No entanto, apesar de os EUA terem de descartar suas ilusões sobre MBS, não poderão modificar muito suas políticas. O reino é o maior exportador mundial de petróleo e o maior importador de armas.
Sem um bom relacionamento com a Arábia Saudita, a influência americana no Oriente Médio cairá ainda mais.
Diferentemente dos EUA, os russos hoje podem ostentar um sólido relacionamento com as principais potências regionais —incluindo Irã, Arábia Saudita, Israel, Egito e Turquia. Os EUA atualmente têm um conjunto muito mais limitado de relações. Washington cortou os canais com o Irã, e as relações com a Turquia continuarão abaladas. Se os EUA executarem as ameaças à Arábia Saudita, vão alienar países do Golfo, o que poderá deixá-los sem aliados próximos na região, exceto Israel.
É provável que o governo Trump faça o possível para limitar as consequências diplomáticas do caso. Diante das duras realidades da “realpolitik”, é difícil culpá-los. Mas a ideia de que os EUA podem armar uma estratégia em torno da figura de MBS terá de ser abandonada. “Não deposite sua confiança em príncipes” sempre foi bom conselho.