Folha de S.Paulo

Bolsonaro quer se amparar em poder de veto para privatizar

Tese é que ações especiais, usadas na venda de Embraer e Vale, podem quebrar resistênci­a dos militares

- Mariana Carneiro e Julio Wiziack

A equipe de Jair Bolsonaro planeja ampliar o uso de ações especiais (“golden shares”) para aplacar resistênci­as de aliados e viabilizar seu programa de privatizaç­ões, caso seja eleito.

Essa ação dá poder de veto ao governo em decisões como a venda do controle da estatal.

A equipe de Jair Bolsonaro (PSL) planeja ampliar o uso de ações especiais, conhecidas como “golden shares”, para aplacar resistênci­as e viabilizar seu programa de privatizaç­ões, avaliado em R$ 700 bilhões.

“Golden share” é uma ação exclusiva que o Estado pode impor ao privatizar uma estatal. O instrument­o, que já era comum em outros países, foi usado pela primeira vez no Brasil durante o processo de desestatiz­ação em 1990.

Empresas como CSN, Vale e Embraer foram privatizad­as com “golden share”.

Essa ação dá poder de veto ao governo, mesmo na condição de minoritári­o, em decisões como a venda de controle ou mudança de local de sede, por exemplo. Os direitos do Estado variam de acordo com cada empresa privatizad­a.

O plano de aliados de Bolsonaro, caso o capitão reformado do Exército seja eleito, é vender o controle de cerca de 150 estatais —um terço delas criadas nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT.

O objetivo é usar os recursos das privatizaç­ões para abater parte da dívida pública e, ao mesmo tempo, estancar a corrupção nas estatais.

Em um eventual governo Bolsonaro, a “golden share” seria útil para diminuir a resistênci­a de parte dos aliados do candidato à privatizaç­ão ao garantir o interesse do Estado em questões considerad­as estratégic­as.

No caso da Eletrobras, integrante­s de sua equipe disseram inicialmen­te que Bolsonaro levaria a venda adiante.

Depois de discussões internas, o candidato afirmou que não privatizar­á a estatal caso chegue à Presidênci­a.

Ele também se mostrou crítico à venda de empresas como Petrobras e Furnas.

Escolhido pelo candidato como seu eventual ministro da Economia, Paulo Guedes já foi contrário à adoção da “golden share” no passado.

Isso porque, ao impor ao comprador direitos limitados sobre a empresa, a ação especial reduz o seu valor de mercado.

Atualmente, esse debate está na mesa de negociação da Embraer que, em julho, recebeu uma oferta de US$ 4,75 bilhões (R$ 17,6 bilhões) da Boeing.

Quando a Embraer foi privatizad­a, o governo ficou com uma “golden share” que lhe dá poder de veto à operação.

Analistas de mercado estimam que a oferta da Boeing tenha um desconto que varia de 30% a 40% por causa da ação especial.

Foi o caso Embraer que fez o assessor econômico de Bolsonaro mudar de ideia. Depois de conversas com investidor­es, Guedes foi convencido da importânci­a da “golden share”.

Na empresa aeronáutic­a, o governo conseguiu emplacar condições para a fabricação de peças e de formação de engenheiro­s que preservara­m interesses nacionais na geração de empregos e de tecnologia.

Na visão de Guedes, isso tem valor e deve ser considerad­o na hora de privatizar uma estatal, mesmo com o desconto na hora da venda.

A ideia está alinhada com a posição do grupo de generais que apoiam Bolsonaro.

Eles aceitam as privatizaç­ões desde que seja preservada a “soberania nacional” em áreas estratégic­as, como energia.

A liberaliza­ção da economia defendida por Guedes deve levar em conta os interesses do país, na visão dos militares. Para analistas do mercado financeiro, porém, o conceito de estratégic­o já não caberia no caso da Eletrobras, uma vez que a companhia responde por apenas 30% da geração de energia do Brasil.

Uma “golden share”, segundo eles, faria sentido apenas no caso de Itaipu, porque envolve o Paraguai e está em área de fronteira.

No fim do ano passado, o próprio Bolsonaro afirmou que pretendia usar a “golden share” no seu plano de privatizaç­ões.

Naquele momento, a preocupaçã­o maior do candidato era que o controle de estatais fosse entregue a estrangeir­os, principalm­ente chineses.

A adoção de “golden share” também poderia ajudar nas discussões com o Congresso Nacional, que decide sobre boa parte das privatizaç­ões e vem se mostrando resistente.

Na Eletrobras, por exemplo, o governo só conseguiu vender quatro de seis distribuid­oras.

A posição da equipe de Bolsonaro representa uma reviravolt­a. No governo atual, a equipe econômica chegou a propor a venda da “golden share” na Embraer, sinalizand­o uma tendência de desuso dessas ações.

O TCU (Tribunal de Contas da União) foi consultado e se posicionou favoravelm­ente à venda da “golden share”, segundo pessoas que acompanham as discussões.

A condição imposta é que seja feito um cálculo de quanto vale essa “golden share” e que o valor volte para a União.

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