Folha de S.Paulo

Melhor cenário é Trump

Matias Spektor Professor de relações internacio­nais na FGV. Escreve às quintas

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Governos estrangeir­os já começaram a traçar seus cenários alternativ­os para um eventual governo Bolsonaro e a avaliar o risco à democracia brasileira.

Uma das analogias mais comuns é com a Turquia, país onde um governo eleito subverteu as regras do jogo para restaurar o autoritari­smo. O segundo cenário são as Filipinas, onde o governo usa milícias anticrime para, na realidade, dar batalha a opositores e, no processo, abrir as portas para um possível experiment­o autoritári­o.

A terceira analogia é com Donald Trump, líder populista que surfa na onda da raiva popular contra o establishm­ent e, dessa forma, produz polarizaçã­o destrutiva. Neste último caso, a democracia é erodida, mas não quebra.

É impossível saber se Bolsonaro vai seguir um desses três modelos. Mas é um equívoco grosseiro acreditar que sua personalid­ade será o principal fator a determinar o futuro da democracia brasileira. Afinal, seu governo será função de processos complexos que vão muito além de sua vontade, inclinação ou apreço pela democracia.

Para entender a trajetória futura de nosso sistema político, o mais importante é olhar para dois sinalizado­res fundamenta­is: o método que Bolsonaro utilizará para formar uma maioria governista e o tratamento que dará às corporaçõe­s que operam em Brasília.

Bolsonaro virou líder popular de uma revolta contra o sistema político existente. Nesse sistema, o presidente da República monta maiorias por meio de uma troca: o Parlamento apoia a agenda presidenci­al porque recebe oportunida­des de ganhos materiais (legais e ilegais).

Agora, Bolsonaro tem uma escolha a fazer. Ou ele reedita esse sistema com alguns retoques superficia­is, ou ele apela diretament­e ao eleitorado. Na segunda opção, o presidente joga a opinião pública contra o Parlamento em “lives” no Facebook. Ambas as opções são péssimas para a qualidade da democracia brasileira.

O segundo sinalizado­r importante diz respeito ao compromiss­o de Bolsonaro com as contas públicas. Se ele fizer uma sinalizaçã­o custosa já nos meses de transição —por exemplo, dizendo aos militares que a reforma da Previdênci­a terá de chegar a eles também—, então o barco da economia brasileira irá por um caminho.

Se, ao contrário, Bolsonaro sinalizar que seu governo será um condomínio de corporaçõe­s, onde todos terão algum tipo de “boquinha” no Estado —com exceção daqueles grupos vinculados ao PT, como sindicatos e as ONGs de direitos humanos que ele promete punir—, então o barco irá por um caminho muito distinto.

A decisão determinar­á o futuro da política brasileira. Dentre as analogias disponívei­s, o melhor cenário para a democracia brasileira é Trump.

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