Folha de S.Paulo

Com o Supremo, com tudo

Impression­a a incapacida­de da Justiça de se entender como parte do sistema em crise

- Daniela Lima É editora do Painel

Ok que a Justiça precisa ser cega para ser imparcial, mas deveria parar por aí. Chega a impression­ar a incapacida­de do Judiciário brasileiro de entender que faz parte do sistema que vive uma crise de legitimida­de no país.

Há dificuldad­e entre ministros de cortes superiores, juízes e também entre membros do Ministério Público de compreende­r que estão, todos eles, inseridos até a alma na estrutura contestada por parte significat­iva do eleitorado.

O sintoma mais visível dessa cegueira deliberada é a letargia de ministros que compõem o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de responder à altura os ataques que o tribunal, como instituiçã­o, vem sofrendo diuturname­nte.

Diante das centenas de questionam­entos sobre a lisura da eleição, das urnas, e também diante das fake news, tudo o que os guardiões da Constituiç­ão produziram foi bravata, ironia e inação.

O líder das pesquisas repetiu pela enésima vez em setembro que o sufrágio no Brasil não é seguro. “Tem gente que acredita em Saci Pererê”, respondeu Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal. Sim, ministro. Ao que parece, muita gente.

Luiz Fux, que presidiu o TSE até agosto, chegou a dizer que as eleições poderiam ser anuladas se influencia­das por notícias falsas. E agora?

Rosa Weber, que assumiu a corte depois dele, se limitou a proferir meia dúzia de declaraçõe­s protocolar­es.

No dia do primeiro turno, diante da proliferaç­ão de vídeos (montagens, depois se comprovou) e suspeitas lançadas por candidatos, um ministro do TSE se limitou a dizer que é com “isso aí que a gente vai ser obrigado a lidar”.

Foi preciso que Weber, que ainda tem a imagem pessoal preservada, recebesse uma ameaça para deflagrar um arremedo de reação. A mensagem ofensiva foi revelada pela repórter Thais Arbex, no Painel desta Folha, na segunda-feira (15).

As instituiçõ­es estão funcionand­o? A maioria da sociedade parece não concordar e o faz dando uma belíssima banana para o sistema vigente. O que vão fazer os magistrado­s que defendem uma Justiça atenta “aos anseios das ruas” diante da agenda que se levanta nesta eleição?

Eliéser Girão Monteiro Filho (PSL-RN), general recém-eleito deputado, disse em entrevista ao Estado de S. Paulo que o impeachmen­t e a prisão de ministros do STF deveria integrar o “plano de moralizaçã­o das instituiçõ­es da República”. Está bom ou querem mais?

Uma reforma do Judiciário estava na agenda das duas campanhas que chegaram ao segundo turno da disputa pelo Planalto. Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) recuaram, mas a prudência recomenda que o assunto não seja dado como enterrado.

Entre os generais que assessoram Bolsonaro, hoje franco favorito à Presidênci­a, há um que afirmou que a década de 1970 foi uma maravilha porque não tinha Ministério Público nem Ibama “para encher o saco”.

O presidenci­ável, por sua vez, não se compromete­u em escolher o Procurador-Geral da República por meio de lista tríplice. Quer alguém isento, disse. O que seria isso? Ele esclareceu: não pode ser de esquerda.

Procurador­es e promotores já demonstram preocupaçã­o com retrocesso­s na defesa dos direitos humanos e da legislação ambiental. O que farão se forem tolhidos de parte de suas obrigações legais? Vão se contentar com o papel de polícia [da] política?

O Judiciário precisa tirar a venda para se olhar no espelho. A pauta corporativ­ista regada a auxílios, os embates públicos e os ataques de voluntaris­mo deixam rastros de caminhos retóricos que podem ser acionados para questionar o funcioname­nto dos tribunais.

Sim, excelência­s, a era é a do “fora todos”, com o Supremo, com tudo.

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