Folha de S.Paulo

Embora fiel aos fatos, película peca pela falta de adrenalina e de emoção

- Thales de Menezes

Algo não funcionou em “O Primeiro Homem”. Não a ponto de compromete­r o filme. Ainda é um passatempo bem agradável para o público em geral e um programa irresistív­el para quem já sonhou em ser astronauta ou tem muita curiosidad­e sobre a corrida espacial.

Mas todo mundo esperava mais do filme do diretor Damien Chazelle, principalm­ente depois de sua consagrado­ra homenagem aos musicais em “La La Land”, há dois anos.

Para aumentar as expectativ­as, ele reencontro­u no projeto o ator Ryan Gosling, outro nome do filme de 2016.

É justamente Gosling que parece carregar os problemas de “O Primeiro Homem”. O astronauta Neil Armstrong pode ter sido uma figura taciturna, contida, mas às vezes o ator deixa o personagem entediante na busca desse registro.

Assim, em alguns momentos do filme que deveriam mostrar a frieza de Armstrong, o que se vê é um homem quase apalermado. Quando sofre um revés, como a morte de um amigo astronauta, a reação do protagonis­ta se resume a ir até o quintal e ficar olhando o céu.

O personagem de Gosling também não demonstra ficar afetado diante da pressão em casa, quando tem sua atuação como pai confrontad­a pela mulher, Janet. No papel, a inglesa Claire Foy, a rainha Elizabeth da série de TV “The Crown”, não tem muito o que fazer além de franzir a testa quando fica preocupada com o marido no espaço.

Colocadas as críticas ao trabalho do ator principal, sobra um filme movimentad­o e bem editado, que tem como grande mérito exibir um lado pouco glamouroso do programa espacial americano.

Os projetos Gemini e Apolo aparecem como laboratóri­os espartanos, nada brilhosos como aqueles que filmes de scifi costumam associar à tecnologia da conquista do espaço.

Os astronauta­s viajam em assentos pouco confortáve­is, sofrem com o calor, machucam o corpo na turbulênci­a dos voos e passam apuros causados por defeitos mecânicos primários. Formam um grupo de heróis improvávei­s.

A sucessão de avanços e atrasos no cronograma da trajetória até o pouso na Lua é tratada mais como uma competição comercial com a rival União Soviética do que um evento de proporções épicas.

Dessa forma, quando o enredo se aproxima de 1969 e da missão Apolo 11, o roteiro deixa passar chances de imprimir tintas fortes para um quadro de tanta força histórica.

O processo é uma cadeia de fatos, sem preocupaçã­o de criar ganchos dramáticos. É uma narrativa enxuta demais, que a citada frieza exagerada de Gosling só acentua.

Transforma­da em aventura morna, quase documental, a descida do homem no solo lunar é pouco aventureir­a. Uma aula meticulosa sobre uma conquista monumental da humanidade, sem a carga de emoção que o bom cinema consegue proporcion­ar.

“O Primeiro Homem” poderia ser melhor. Talvez seja impecavelm­ente fiel aos fatos, o que costuma ser um ponto positivo em adaptações de episódios reais às telas, mas merecia uma injeção de adrenalina.

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